A palavra continente indica um espaço, uma situação ou uma condição que podem encerrar ou conter alguma coisa concreta ou abstrata: o espaço que está represando um líquido é um continente; a frase que, em si, encerra uma opinião, por exemplo, é um continente.
Obviamente, o que estiver represado é o conteúdo: o líquido no copo, a opinião na frase.
À parte as preocupações ontológicas, sem dúvida, sempre necessárias, minhas definições, aqui, buscam simplesmente dar uma ideia para a semântica aplicada às duas palavras.
ÁGUA, ÓLEO, VINHO E TEXTO
Parto do princípio de que todo continente é material, identificável, visível, palpável; seja um vasilhame, uma bolsa; uma página escrita, um livro, a tela de um pintor, a partitura de um compositor etc. O continente é explícito, mas o conteúdo pode não ser. Muitas vezes o conteúdo precisa ser descoberto.
Não cabe ao continente decidir sobre a identificação daquilo que está contido, além disso, os conteúdos podem disfarçar a sua própria evidência; uns, de modo inequívoco; outros, porém, porque se aglutinam, disfarçam a evidência. Sabe-se que água e óleo no mesmo vasilhame não enganam a distinção. Por sua vez, água e vinho podem enganar.
Ora, se há elementos físicos e químicos que num continente podem-se camuflar a ponto de que não se percebam, prontamente, as suas diferenças, é também possível que alguns continentes da comunicação verbal (oral ou escrita) encerrem conteúdos de natureza gramatical, semântica ou psicológica, cuja compreensão seja dificultada. Muitas vezes, é necessário trabalhar duro para se alcançarem certos conteúdos.
“Considerai que a longanimidade do nosso Senhor é uma oportunidade para que possais receber a Salvação, assim como nosso irmão Paulo também vos escreveu de acordo com a sabedoria que Deus lhe deu. Ele escreve do mesmo modo em todas as suas epístolas, discorrendo nelas sobre esses assuntos, nas quais existem trechos difíceis de entender, os quais são distorcidos pelos ignorantes e insensatos, como fazem também com as demais Escrituras para a própria destruição deles.” (2Pe 3.15-16 - destaque meu)
A BÍBLIA COMO CONTINENTE
Introdução
Tem havido grandes debates teológicos, muitas vezes desnecessários, porque as pessoas criam a sua própria hermenêutica, sobre uma questão que se pode resolver pela semântica. Mas, essas pessoas tornam a própria semântica em ferramenta com a qual retorcem conteúdos em benefício de sua vaidade pessoal.
Dois grupos discutem se a Bíblia contém a palavra de Deus, ou, se ela é a palavra de Deus. Os defensores de que a Bíblia tão somente contém a palavra de Deus, fingem desconhecer que todo continente suporta um conteúdo.
“Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal; porquanto, jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens santos falaram da parte de Deus, orientados pelo Espírito Santo.” (2Pe 1.20-21)
A Bíblia, em sua forma legível, material, “contém” o que diz a palavra de Deus para o homem. De fato, nela - em seu aspecto físico, gráfico, - está “contido um conteúdo” inequívoco, único, pleno, irretocável, indiscutível, fechado pelo próprio Deus, que é quem diz. O próprio Senhor Deus tem o conteúdo, e o transmitiu por intermédio de homens inspirados pelo Espírito Santo, num período de aproximadamente 1600 anos, e em civilizações distintas.
“Então Yahweh (o Senhor) ordenou a Moisés: ‘Escreve isto para memorial num livro, e relata-o aos ouvidos de Josué, que eu hei de riscar totalmente a memória de Amaleque de debaixo do céu.’” (Êx 17.14)
“... E, no dia do Senhor, achei-me exaltado no Espírito, quando ouvi atrás de mim uma voz forte, como o som de trombeta, que dizia: ‘Escreve em um livro o que vês e envia-o a estas sete igrejas:...’” (Ap 1.10-11)
Ora, afirmarem que a Bíblia apenas contém a palavra de Deus é banalizarem a voz de Deus; é buscarem um viés para darem ao sagrado conteúdo significados que se conformem a seus próprios interesses.
A BÍBLIA COMO CONTEÚDO
Quando sentimos sede, procuramos um copo (continente) com a água, o líquido que nos sacia (conteúdo). A Palavra de Deus é a água que sacia a fome e a sede do pecador. Quanto a isso, Jesus explicou para a mulher samaritana a qualidade da água que ele oferece. (Jo 4.1-15).
“Jesus afirmou-lhe: ‘Quem beber dessa água terá sede outra vez; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Ao contrário, a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma fonte de água, jorrando para a vida eterna.’” (Jo 4.13-14)
Eis-nos de posse do continente - a Bíblia impressa - que nos mostra o conteúdo - as maravilhosas palavras do Senhor.
Do Gênesis ao Apocalipse há uma mensagem única para todos os homens. A Bíblia não tem diversidade de conteúdo; o que nela Deus comunica está direcionado a toda criatura, em todos os lugares. Uma das passagens que maravilhosamente ecoou o falar de Deus em sua Palavra para toda a humanidade está registrada:
“E, sendo Jesus batizado, saiu logo da água, e eis que se abriram os céus, e viu o Espírito de Deus, descendo como pomba e vindo sobre Ele. Em seguida uma voz dos céus disse: ‘Este é o meu Filho amado, em quem muito me agrado’” (Mt 3.16-17 - ênfase minha)
É interessante verificar que houve muitas gerações anteriores à escrita da Bíblia. Teriam aquelas gerações ficado fora do que Deus diz aos homens? Evidentemente, não. Além de tantos textos divinos registrados no Antigo Testamento, vale lembrar as palavras que, inspirado, o autor da Epístola aos Hebreus escreveu:
“Havendo Deus, desde a antiguidade, falado, em várias ocasiões e de muitas formas, aos nossos pais, por intermédio dos profetas, nestes últimos tempos, nos falou mediante seu Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo o que existe e por meio de quem criou o Universo.” (Hb 1.1-2)
Conclusão
Creio que, baseado nessas considerações de natureza semântica sobre continente e conteúdo e seu envolvimento recíproco, pois, só se cogita um continente em relação ao seu conteúdo e vice-versa, é possível mostrar-se a Bíblia como continente (ela contém a palavra de Deus) em seu aspecto físico, página impressa, livro, produzido em editoras e que se adquire em livrarias. Suas páginas envelhecem com o uso e se consomem.
Por outro lado, é indispensável saber-se que a Bíblia é, acima de tudo, a expressão unívoca de Deus, por meio da qual o Senhor estabelece o seu querer para com a humanidade e dialoga com aqueles que o temem e se dispõem a ouvir a sua voz e a ela obedecer.
“Então, Yahweh, o Senhor, replicou-me: ‘Viste bem, porque eu estou vigiando, a fim de que minha Palavra se cumpra!’” (Jr 1.12 - ênfase minha)
“... assim também acontece com a Palavra que sai da minha boca: Ela não voltará para mim vazia, mas realizará toda a obra que desejo e atingirá o propósito para o qual a enviei.” (Is 55.11)
“As minhas ovelhas ouvem a minha voz; Eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e elas nunca perecerão; tampouco, ninguém as poderá arrancar da minha mão.” (Jo 10.27-28)
Nota:
As referências bíblicas foram tiradas da Bíblia KJA. 2017
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