Introdução
Não há possibilidade de que uma mensagem - oral ou escrita - cumpra integralmente o seu papel, sem que se leve em consideração a variedade de significados à qual as palavras sempre estão submetidas.
Não é fato raro que muitos pregadores e, principalmente, professores de ensinos bíblicos, cometam graves falhas nesse aspecto, o que causa inúmeros prejuízos à igreja em que eles atuam, por causa da má compreensão do contexto bíblico. Vale dizer que o contexto em que as narrativas e preceitos bíblicos se encontram no original não carece de atualização contextual - como querem alguns - porque o que Deus exigiu de Adão, ou de Israel, ou das sete igrejas na Ásia Menor ele exige ainda hoje.
Dentro da multiplicidade de sentidos de uma palavra, sempre haverá um significado completamente coerente com o ambiente físico e psicológico em que o texto está formulado. Essa situação é chamada de contexto.
Cada um desses ambientes textuais dá às palavras um matiz que não pode passar despercebido ao usuário de uma língua; o deslize nessa percepção levará a adulterações perigosas ao sentido geral do texto.
A VARIEDADE DE SENTIDOS DO VERBO PENSAR
Que significa pensar? É possível que se encontrem mais de 20 sugestões de sentidos para o verbo pensar; inclusive o sentido de curar ferimento. Entretanto, não há a pretensão de serem exploradas todas essas possibilidades; além disso, o leitor pode facilmente fazer essa pesquisa. O que chama a atenção é o emprego desse verbo nos textos bíblicos e numa frase bastante corriqueira: “Você precisa pensar em Deus.” Antes de se discutir essa frase, é melhor verem-se algumas das vezes em que se fez a versão dos originais para o português, nas Escrituras Sagradas.
Ter como certo: “Não pensem que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas, espada” (Mt 10.34 - Nova Bíblia);
Fazer ideia: “O que vocês pensam a respeito do Cristo?” (Mt 22.42 - NVI);
Confundir-se: “Quando o viram andando sobre o mar, pensaram que fosse um fantasma.” (Mc 6.49 - NVI);
Imaginar: “Pensando que ele estava entre os companheiros de viagem...” (Lc 2.44 - NVI);
Avaliar: “Assim, visto que somos descendência de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante a uma escultura...” (At 17.29 - NVI).
Com base nesse pequeno levantamento de vocabulário, deve-se refletir sobre o emprego do verbo pensar, naquela frase mencionada.
Ora, Deus jamais será objeto das investigações ou das elucubrações de quem quer que seja; afinal, o homem é obra das mãos do Criador. Pode a criatura pensar a respeito do seu Criador?
“Mas, algum de vocês me dirá: ‘Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?’ Mas, quem é você, ó homem para questionar a Deus? Acaso, aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: - Por que me fizeste assim?’” (Rm 9.19-20 - NVI)
Parece-nos que ninguém precisa ou pode “pensar” em Deus, no sentido de fazer avaliação sobre o Altíssimo. No texto em que Pedro disse ao Senhor: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.” (Mc 8.29), o pescador da Galileia não fez uma avaliação provinda do que ele, Pedro, pensava do Mestre; tanto que Jesus declarou que aquela revelação não tinha origem no pensamento humano, mas era revelação vinda do Pai. (Mt 16.17)
A frase recorrente: “Você precisa pensar em Deus” soa como um eufemismo para “Você precisa submeter-se a Deus”, pois a palavra submeter-se não cai bem na audição do homem natural.
“Deus opõe-se aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes. Portanto, humilhem-se debaixo da potente mão de Deus, para que ele os exalte no tempo devido.” (1Pe 5. 5b-6 - NVI)
DEUS É ESPÍRITO
A humanidade tenta conceber para Deus uma impossível condição corpórea que se iguale aos homens, a quem ele criou. Mas o próprio Jesus, o Filho de Deus, disse que Deus é Espírito. Os homens devem adorá-lo não como tendo-o transposto para um objeto, mas também em espírito e em verdade.
Jesus, para tornar-se o Emanuel, Deus conosco, entre nós, assumiu a condição corpórea humana para, por meio dessa condição, cumprir o plano divino da Salvação. Na condição humana, Jesus deixou o seu resplendor divino, humilhando-se por nós.
“... embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens.” (Fp 2.6-7 – NVI)
Há relatos bíblicos que registram teofanias, isto é, manifestações divinas, em atenção à pobre capacidade de percepção humana. Anjos apresentaram-se em forma humana, a Abraão, e a Ló, no Antigo Testamento. (Gn 18.2; 29.1-3 - NVI); a Pedro, quando foi tirado da prisão. (At 12.7-9 - NVI); às mulheres que foram visitar o túmulo em que o Senhor estivera sepultado. (At 28.2-7 - NVI); aos apóstolos que viram o Senhor sendo elevado ao céu (At 1.10-11 - NVI). Essas foram manifestações de teofania. Paulo diz que há corpos celestiais, mas esses não estão ao alcance da humanidade terrena.
“E há corpos celestes e corpos terrestres, mas uma é a glória dos celestes e outra, a dos terrestres... Assim, também a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo em corrupção, ressuscitará em incorrupção.” (1Co 15.40-41 – ARC 2009)
Conclusão
Diante do que se expõe, é impossível pensar em Deus, sem a compreensão daquilo que Jesus ensinou à mulher samaritana (Jo 4.24). Deus não tem a semelhança do homem; ele mesmo deu ao homem a sua imagem (resultado moral) e a sua semelhança (capacidade criadora).
O ser humano não tem extensão de percepção tal que alcance a absoluta grandeza de Deus; por isso, em sua grandiosíssima misericórdia, enviou o Verbo, que se fez carne, para que o conhecêssemos.
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.” (Jo 1.1-2 – ACF)
Para que bem o compreendamos, Deus fala sempre conosco como falam os homens uns com os outros. Aprendamos a ouvir a Sua voz em tudo quanto ele nos fala pelas Escrituras e, muitas vezes, ao nosso ouvido, conforme o Seu querer. Você não precisa pensar em Deus; precisa submeter-se a ele.
“Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele e ele tudo fará.” (Sl 37.5)
Ótima reflexão, prezado pastor. Você escreve muito bem, com firmeza e confiança. Abraços, e paz de Cristo.
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