terça-feira, 21 de dezembro de 2021

A bilateralidade da paz e a boa tolerância




Introdução

Um dos grandes problemas relativos à correta vida cristã está na má compreensão do que seja, de fato, perdoar a um ofensor. Quem perdoa o faz para a manutenção de convivência harmoniosa geral. Perdoar significa jamais debitar ao devedor aquilo que ele, inegavelmente, deveria pagar.

Uma vez que o perdão consiste na preferência (do perdoador) por um ambiente de paz, obriga-se ao perdoado a aceitação dessa paz. De fato, o perdão não recebido impede a existência da perfeita paz, ainda que isente o perdoador de qualquer problema.

Se atentarmos para o que diz o apóstolo Paulo e, mesmo, para a experiência da humanidade, através dos séculos, perceberemos que a paz não ocorre incondicionalmente; ela só se mantém, enquanto se respeita a sua natureza bilateral.


  1. A PAZ É FRUTO DE UM ARMISTÍCIO


A paz, como uma moeda, tem duas faces. Isso significa que a sua plenitude não se resume a interesse unilateral; ela resulta, normalmente, de um armistício, palavra que aqui tomo no sentido de extinção dos desacordos entre as partes. É um contrato de paz. Neste sentido, armistício não é trégua; é o encerramento completo da questão.


“Justificados, pois, pela fé, temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus”. (Rm 5.1-2)


O versículo acima transcrito aponta para a bilateralidade da paz com o próprio Deus: a paz, que proveio de Deus, depende do nosso reconhecimento de que Jesus Cristo é o único intermediador entre o Pai e os homens. Sem essa cláusula pétrea, não se estabelece a paz com Deus.

A paz não partiu dos homens para com Deus, pois as Escrituras dizem que

“ele nos reconciliou”.



“E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo, por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação; isto é, Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação.” (2Co 5.18-19)



A paz com Deus se realiza na bilateralidade. 


“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3.16 - destaque meu)



  1. A PLENA PAZ É CONDICIONAL



“Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens.” (Rm 12.8)



O apóstolo dos gentios entendeu que não é possível manter-se a paz com todos os homens; caso contrário, não teria expressado uma condição “se for possível”.

Porém, ele deixa claro que a impossibilidade nunca pode estar em nós mesmos, quando diz “quanto estiver em vós”. Isso significa que não devemos estabelecer, para nós próprios, o limite da paz com todos os homens, embora a paz que nos cabe oferecer só se efetive na receptividade do outro.

Quando o Senhor Jesus enviou os doze em missão, mandou que, ao chegarem a uma casa, oferecessem a paz.



“E, quando entrardes em alguma casa, saudai-a. E, se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se não for digna, torne para vós a vossa paz. E, se ninguém vos receber, nem escutar as vossas palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó dos vossos pés.” (Mt 10.12-14)



Esse é mais um registro que prova a bilateralidade da paz efetiva. Fica, agora, uma pergunta: “Sendo a igreja uma comunidade de pessoas imperfeitas, não há dúvida de que nem sempre a paz se efetiva em sua bilateralidade. Que atitude devem ter, nesse meio, os que buscam a paz?”.

Evidentemente, devem manter a própria paz, por meio da tolerância. Jesus não mandou que seus doze discípulos entrassem em guerra com os que não eram dignos de paz. Logo, eles deveriam observar o princípio da tolerância. Resta-nos ver o que é tolerar.



  1. ASPECTOS DA TOLERÂNCIA

 

O mesmo apóstolo Paulo ensina sobre a tolerância, que é, principalmente, um requisito da convivência social. Tolerar vem do latim e significa “permitir ao outro algo que, pessoalmente, se reprova ou rejeita”.

A tolerância implica uma concessão, em favor da paz, que se dá à pessoa que pensa ou age diferentemente de nós. Por que há necessidade de se desenvolver a tolerância? Primeiramente, para que não se conturbe o ambiente social; depois, porque a nenhuma pessoa cabe julgar e atribuir pena ao seu semelhante. Não há a possibilidade de nos tornarmos acusadores e juízes de outrem. A Justiça só se realiza por um tribunal. Assim, suportar significa abrir mão das próprias razões ou interesses, priorizando a paz social.



“Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados; com toda humildade e mansidão, com longanimidade suportando-vos uns aos outros em amor, procurando guardar a unidade do Espírito, pelo vínculo da paz.” (Ef 4.1-3) 



As opções religiosas devem promover essa mesma tolerância social. Não se vai à luta contra os homens decididos a seguir cultos alheios aos nossos. Nem essa seria a melhor forma de conquistá-los.

Por outro lado, tolerar é, também, suportar, ou seja, deve-se dar suporte ao mais fraco, ou ao indeciso; deve-se dar apoio para obter o desenvolvimento do nosso semelhante.



 “Mas, nós que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos.” (Rm 15.1)


“Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios, chegar a salvar alguns.” (1 Co 8.22)


 Vimos, assim, que há um tipo de tolerância que, aqui chamo de tolerância social, isto é, aquela que se pratica em favor de um ambiente sem hostilidade. O outro tipo de tolerância trata do suporte que faz amadurecer os fracos.

Mas a Bíblia faz referência a uma tolerância perniciosa à Igreja. Essa tolerância deve ser totalmente extirpada de entre o povo de Deus, sob pena de severas punições divinas. O povo de Israel foi adepto dessa má tolerância e Deus não lhes poupou castigos seriíssimos.

Nas Cartas às Sete Igrejas da Ásia Menor, há, para algumas delas, vários problemas que estão na lista de uma tolerância que Deus abomina.

Nessas passagens a palavra tolerar nada tem a ver com o bom convívio social, nem com o necessário apoio aos que são imaturos. Trata-se não só de uma tolerância passiva, mas um processo de aceitação das coisas que desagradam a Deus, tal como a idolatria, a participação em rebeliões e em outros problemas que se incluem na lista apresentada em Gálatas 5.19-21.



“... Mas, tenho contra ti que toleras Jezabel, mulher que se diz profetisa...” (Ap 2.20)


 

Conclusão 


Já é tempo de a Igreja deste século mostrar maturidade espiritual e bom discernimento do conteúdo das Escrituras Sagradas. Não basta ser apenas “leitor” da Bíblia; é necessário ser “estudante” da Bíblia, tanto no recinto dos cultos e estudos bíblicos como individualmente. Todo crente deve acompanhar o que disse o salmista em pelo menos dois de seus versos:



“Escondi a tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra ti.” (Sl 119.11)


“Lâmpada para os meus pés é a tua palavra; e luz para o meu caminho.” (Sl 119.105)


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