Quanto mais francos
pretendemos nos apresentar, mais amamos a literalidade. Podem verificar que boa
parte das pessoas, conscientemente ou não, aprecia usar o advérbio literalmente, mesmo que ele não caiba no
contexto. Fica chique!
O que pode ser literal
encanta-nos, talvez, por causa da fácil digestão cognitiva. O figurado, o
expressivo, o conotativo fica-nos num plano menos atraente, porque nos arranca
do conforto mental, a fim de que compreendamos o que está por detrás do muro
das palavras. Esse fenômeno do comodismo não se dá como exclusividade de um ou
outro texto, é fato recorrente, portanto, envolve, também, a compreensão do
texto sagrado: A Bíblia, Sagrada Escritura. Muito da Bíblia, de fato, não é
literal, exceto, obviamente, os relatos históricos, dentro dessa perspectiva.
Nenhum leitor cristão pode
fugir ao conhecimento de que Jesus Cristo, nosso Senhor, deu preferência à
conotação, à linguagem figurada, quando usou inúmeras parábolas. E sempre houve
quem não o compreendesse. Jesus opunha-se à preguiça mental.
“Os
discípulos aproximaram-se dele e perguntaram: ‘Por que falas ao povo por
parábolas?’. Ele respondeu: ‘A vocês foi
dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos céus, mas a eles não. A quem
tem será dado, e este terá em grande quantidade. De quem não tem, até o que tem
lhe será tirado. Por esta razão lhes falo por parábola; porque vendo eles não
veem e, ouvindo, não ouvem, nem entendem” (Mt 13.10-13 – destaque meu).
Quando Jesus se refere ao que
“é dado” e ao que “é tirado”, não se refere a coisas materiais, mas à
compreensão daquilo que é dito. Quem compreende “ganha” conhecimento; quem não
compreende “perde” conhecimento.
A parábola do Semeador não foi
a primeira nem a única parábola do Mestre; por isso, convenço-me de que um dos
grandes propósitos do Senhor Jesus foi levar os homens a raciocinar, sua
intenção deve ter sido arrancá-los do comodismo mental e das coisas explícitas.
Seria, hoje, outra a vontade do Senhor para com aqueles que buscam com
verdadeiro coração compreender a sua Palavra e o que se diz com respeito a ela?
Creio que não!
Ao nos dedicarmos ao estudo e
compreensão da Sagrada Escritura, devemos ter em mente que o Senhor quer que o
nosso raciocínio – e não só a nossa emoção – esteja ativo, para que o Espírito
Santo nos conduza na busca e aquisição das maravilhas que há no texto sagrado,
seja para o nosso próprio alimento espiritual, seja para servirmos aos
circunstantes.
Que leitura fazemos dos
discursos que nos chegam, vindos daqueles que têm o ministério santo de
edificar a Igreja? Usarão todos os oradores uma linguagem absolutamente
explícita? Evidentemente não! A linguagem figurada está arraigada na expressão
do todo ser humano, independentemente da sua formação escolar. As metáforas
mais belas saem da boca do povo sem escolaridade! Mas voltemos aos discursos de
natureza teológica.
O púlpito produz muito
discurso que, para ser eficaz, exige do ouvinte a habilidade da compreensão.
Assim, se elaborado sem o devido cuidado - a que público se dirige, como trata
o assunto, que resultado pretende etc. – será pivô de muitos problemas e de
infindas discussões. Volto a insistir nas parábolas de Jesus ao povo: para homens
do campo, abordava estórias campesinas; para os fariseus, adotava outro
aspecto, para o homem urbano, estórias do dia a dia citadino.
Agora, estamos diante de uma
grande discussão sobre os discursos do pastor Ed René Kivitz, da Igreja Batista
de Água Branca. Aqui, pretendo observar, por alto, o conteúdo embutido na construção
de uma de suas mensagens, da qual se diz que o reverendo informa ser a Bíblia
um livro que precisa ser atualizado, um livro cujos assuntos já não cabem na
sociedade atual. Terá o pastor René se tornado um companheiro da ideologia do
Papa Francisco?
É necessário que se faça uma
verificação mais aprofundada, antes de o chamarmos herege, apenas com base numa
leitura superficial. Claro, pode ser que o pastor esteja num caminho errado;
mas pode ser que nós tenhamos lido mal o seu discurso.
Vejamos um pequeno trecho de
um vídeo dele sobre o assunto:
“... Então, a gente precisa
atualizar a Bíblia, porque se eu não atualizo a Bíblia, e se eu leio
literalmente e digo: ‘Está suficiente a leitura literal da Escritura, eu
legitimo a escravidão...’. Bem, é impossível tomar por base para compreensão
desse discurso, apenas esse ou outro pequeno fragmento, ou, ainda, um conjunto
de fragmentos dele. É necessário que nos debrucemos sobre todo o texto, para
quem e em que circunstâncias foi dirigido o discurso. Somente assim haverá
argumento que o apoie ou o refute.
Entenda o leitor que, neste
momento, não estabeleço qualquer juízo de valor sobre o pregador, pois,
falta-me melhor análise. Esse é justamente o interesse desta página: levar o
leitor a não cometer injustiça por meio de uma avaliação, talvez deformada, trazida
pela emoção de uma leitura apressada, que despreze contextos; ou com base em
uma leitura incompleta, que faça alguém sair a campo como um Dom Quixote.
Portanto, antes da condenação,
antes da concordância com os açoites sem análise, convido a que meditemos na maleabilidade
semântica de que se possa valer um orador. Essa é a razão por que não condeno,
nem absolvo o referido pastor, até que eu tenha a boa oportunidade de fazer uma
avaliação adequada. Espero, pois, que o meu leitor me acompanhe.
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