O AMOR COBRE PECADOS; NÃO OS ENCOBRE
Houve um tempo, quando a religião dominante na Europa colocava todos os leigos – os que não labutavam na esfera eclesiástica - na categoria de indoutos; sobretudo, porque receava contestação aos seus dogmas. Ler a Bíblia Sagrada era atividade taxativamente proibida, estudá-la teologicamente era candidatar-se à fogueira. Sabia-se que o estudo das Escrituras era exclusividade do seleto clero romano. Fazia parte desse contexto assegurar a própria hegemonia; por isso, o clero nunca fez questão de patrocinar acesso ao saber, exceto aos que lhe eram convenientes. Para a massa, bastava o que se queria servir.
Todavia, a História Geral está à disposição de quem quiser inteirar-se daquele tempo. Os frutos, porém, estenderam-se século após século, e não há dúvida de que parte de nós vive no mundo intelectualizado, e parte de nós vive no mundo inculto, sendo que neste há muito mais indivíduos do que naquele. Aí está, acredito, a causa do grande percentual da má aplicação dos textos bíblicos, sem deixar de considerar a existência da má-fé.
Isso posto, gostaria de meditar sobre uma frase corriqueira no meio evangélico: “o amor cobre uma multidão de pecados”. À primeira vista a impressão é de incoerência, exatamente, porque o amor representa a virtude, mas o pecado, o defeito. Vejamos fragmentos bíblicos sobre isso:
“O ódio excita contendas; mas o amor cobre todas as transgressões” (Pv 10.12).
“Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador salvará da morte uma alma e cobrirá uma multidão de pecados” (Tg 5.20).
“Mas, sobretudo, tende ardente caridade uns para com os outros, porque a caridade cobrirá a multidão de pecados” (1Pe 4.8).
O salmista diz:
“Bem- aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto” (Sl 32.1).
O primeiro passo para a compreensão dessas passagens é perceber que as palavras não são proprietárias de seu significado; elas são signos linguísticos: elementos constituídos de significante (parte material, visível) e significado (conceito, imagem mental provocada). Ao falante é dada certa liberdade para a escolha dos signos com que construirá a sua mensagem.
Analisemos os versículos citados, começando por Provérbios 10.12:
A sentença “... o amor cobre todas as transgressões.” Não pode ser isolada do contexto em que está a anterior: “O ódio excita contendas;...”. Há um jogo entre o que o ódio produz e o que o amor produz. Enquanto o ódio provoca a ira, incendeia a contenda, o amor possibilita a paz, desfaz a confusão encerra o problema, ou seja, evita que as transgressões se desenvolvam. O amor põe um freio no prosseguimento das transgressões. Logo, não se pode entender que o amor sirva para alguém acobertar transgressões.
Vamos ao segundo caso, marcado em Tiago 5.20:
“Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador salvará da morte uma alma e cobrirá uma multidão de pecados”. Vamos partir de uma constatação expressa no evangelho de Mateus e em Isaías: “E ela dará â luz um filho, e lhe porás o nome de JESUS, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1.21). “E não há outro Deus, senão eu; Deus justo e Salvador, não há outro fora de mim” (Is 45.21). Quem pode salvar? Somente o Senhor. Entretanto, Tiago usa uma forma de linguagem que parece atribuir ao homem tal poder. Não o faz. É simplesmente força de expressão; o homem não salva o seu companheiro, mas pode servir de instrumento para que Deus salve. Aliás, quem anuncia o evangelho é instrumento de salvação, não o agente dela.
Quanto a cobrir uma multidão de pecados, o sentido do verbo cobrir é o mesmo do caso anterior, visto em Provérbios. Trata-se de alguém ser instrumento de Deus, como atalaia, para impedir ao pecador a continuidade da vida pecaminosa, exatamente como fez Jonas, em Nínive.
Terceiro ponto, a citação de 1Pedro 4.8:
“Mas, sobretudo, tende ardente caridade uns para com os outros, porque a caridade cobrirá a multidão de pecados” (1Pe 4.8). Evidentemente o apóstolo Pedro não está sugerindo que haja tal amor que esconda a multidão de pecados uns dos outros. Na verdade, aí está retomado o
mesmo significado já visto; a caridade ou o amor ardente entre os irmãos produz reparo, correção capaz de estancar qualquer possibilidade de que a multidão de pecados continue em crescimento deletério. A caridade entre os irmãos traz orientação sobre o poder do sangue de Jesus para cobrir, isto é, apagar a vigência dos pecados. O apóstolo do amor, João, ensina que o mentiroso diz que não peca. “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós. Se confessarmos os nossos pecados ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça” (1Jo 1.8-9).
“Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1Jo 1.7) O sangue de Jesus Cristo cobre multidões de pecados. Amém
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