Entende-se
por “cobertura” aquilo que protege, abriga, preserva. O adjetivo “espiritual”
caracteriza o que é relativo ao espírito. Mas, o que é espírito, no contexto
desta consideração? Creio que se deve aceitar a concepção de que seja o
conjunto do comportamento religioso cristão. A igreja evangélica milita numa
disposição religiosa produzida pela doutrina bíblica. Com base nesse
pressuposto, “cobertura espiritual” será o acompanhamento, a proteção, a
preservação do comportamento religioso cristão.
Sempre
que se cria uma nomenclatura que envolva um conceito tão abstrato quanto esse,
abre-se a possibilidade dos posicionamentos antagônicos; e o antagonismo
guerreia com todas as suas estratégias: algumas bastante espúrias, porque se
baseiam em falácias. A distorção de um conceito conduz a resultados
aparentemente verdadeiros, os quais, enunciados de modo eloquente, tornam-se capazes
de enganar os incautos.
Afinal,
pastores detêm a prerrogativa da “cobertura espiritual”? Sim, por um lado; não,
por outro.
A
Bíblia é a fonte única e suficiente para dirimir quaisquer dúvidas teológicas.
Sem a Escritura, qualquer teologia dita cristã se inviabiliza. Logo, é na
Bíblia que se deve procurar a resposta. Realmente existe, de modo
indisfarçável, o conceito de cobertura espiritual na Palavra de Deus.
No
Antigo Testamento, Deus escolheu Noé para fazer a cobertura espiritual de sua
família: “Então disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a
terra está cheia da violência dos homens; [...]. Contigo, porém, estabelecerei
a minha aliança; entrarás na arca, tu e teus filhos, e tua mulher, e as
mulheres de teus filhos” (Gn 6.13-18). Sem a consciência de que Deus dera
instruções ao patriarca, os descendentes de Noé também pereceriam, uma vez que
o Senhor não instruiu a eles, mas ao pai. Aqueles filhos, mulher e noras
estavam amparados, preservados da morte pelo cuidado do pai.
Moisés
foi designado por Deus, para tirar o povo de Israel do Egito; logo, aquela
nação estava sob a “cobertura espiritual” de Moisés e, mais tarde de Josué. Não
menos responsáveis por essa cobertura estavam os sacerdotes que atendiam no
tabernáculo e no templo.
João
Batista, ao anunciar o evangelho do arrependimento, estava incumbido de
apresentar a cobertura espiritual daqueles a quem batizava.
O
Novo Testamento continua sendo a fonte dessa prática, a qual se reforça
claramente, quando o Senhor Jesus estabelece a sua Igreja. Jesus ordenou a
Pedro que lhe apascentasse os cordeiros (Jo 21.15). Ora, que é apascentar,
senão ensinar, cuidar, preservar, dar “cobertura espiritual”?
Com
a expansão da igreja primitiva, os doze apóstolos entenderam que precisavam
manter-se no ministério da Palavra, o que nos faz entender, permanência no
ensino, no cuidado pastoral, na ministração da doutrina de Cristo (At 6.4).
Paulo
foi extremamente zeloso em sua função de dar cobertura espiritual às igrejas e
também a seus discípulos, como foi o caso de Timóteo. As cartas do apóstolo dos
gentios são claríssimos documentos do que se chama “cobertura espiritual”. E
não somente Paulo, mas também Tiago dá cobertura espiritual aos crentes judeus
da Dispersão (Tg 1.1). Alguém diria que as cartas de Pedro e de João, assim
como a de Judas, deixam de ter conteúdo próprio da noção de cobertura
espiritual? A Bíblia endossa plenamente essa prática da igreja cristã.
Por
que motivo, então, há posicionamentos contrários a tão comprovada realidade?
A
celeuma se constrói com base em duas situações bastante criticáveis. A primeira
alimenta fartamente a segunda. É necessário extirpar tanto uma posição quanto a
outra. Vamos à primeira.
Não
são poucos os pastores que se valem de uma verdade inquestionável, para
endossar um interesse meramente pessoal. A “cobertura espiritual” é uma
atribuição concernente à vida cristã, uma vez que o cristão precisa de ensino
bíblico, alimento para a alma, companheirismo, apoio e atenção em suas
dificuldades. A ovelha precisa de proteção contra os ataques dos lobos, sejam
essas feras representadas por pessoas malfazejas, ou representadas por
situações psicologicamente adversas. Esse é o papel do pastor; essa é a
cobertura espiritual.
Todavia,
encontram-se pastores que deturpam esse conceito para justificar sua sede de
hegemonia, sua vaidade de ascensão sobre as pessoas, forçando-as a agirem
segundo os interesses particulares de suas administrações. Esses pastores
chegam ao cúmulo de amaldiçoar os que lhes escapam do redil, condenando-os, a
priori, ao inferno; retirando-lhes a sua “benção”, proibindo contato com os que
ficaram. Como diria um conhecido frei parapsicólogo com sotaque castelhano: “Isso
non ecxiste!”. Isso não é bíblico,
porque exclui o amor ao próximo.
De
outro lado, aparecem os que extrapolam na contradição, fazendo crer que a
cobertura espiritual é bobagem. Acontece que esses opositores são ministros do
evangelho; consequentemente, instruem ovelhas a não aceitarem a “cobertura
espiritual”. Claro que eles negam, assim, a sua própria condição pastoral; pois,
como já expus, a cobertura espiritual é atribuição dos pastores, quando
executada segundo os padrões determinados pela Palavra de Deus.
Errados
estão os ministros truculentos, donos e senhores dos membros de sua igreja. São
eles maus pastores que menosprezam a inteligência dos membros e submetem a
igreja à sua vontade Os tais ministros precisam rever suas atitudes, sob a luz
da Escritura Sagrada. Precisam aprender a apascentar ovelhas que, de fato, não
lhe pertencem.
Errados
também estão os ministros que propagam não haver cobertura espiritual; os que
ensinam a ovelha a dizer: “Meu pastor é Jesus Cristo, não estou submetido a
homens”. Isso é ensino de rebeldia, porque, por esse meio, propagam a
dissolução do vínculo da ovelha com seu guia, como está recomendado na Carta
aos Hebreus: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois
velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isso com
alegria, e não gemendo, porque isso não aproveita a vós outros” (Hb 13.17).
Nenhum comentário:
Postar um comentário