Certas passagens bíblicas, diante de uma
leitura precária, desatenta do contexto, parecem entrar em choque com outras.
Nos versículos seguintes, tem-se que o crente deve manter-se separado do
descrente e, conforme o trecho do primeiro salmo, o homem que assim procede é
feliz, abençoado:
“Bem aventurado é o homem que não anda no
conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na
roda de escarnecedores” (Salmos 1.1).
Neste segundo trecho, da Carta aos Coríntios,
o apóstolo Paulo discorre sobre a necessidade da total separação entre o crente
e o descrente:
“Não vos ponhais em jugo desigual com os
incrédulos; porquanto, que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade?
Ou, que comunhão entre a luz e as trevas? Que harmonia há entre Cristo e o
Maligno? Ou que união do crente com o incrédulo? [...] Por isso, retirai-vos do
meio deles, separai-vos...” 2 Coríntios, 6.14-17).
Por outro lado, há muitos relatos nos
Evangelhos, apresentando Jesus entre homens pecadores. Veja-se o trecho
relatado em Mateus:
“E sucedeu que estando ele em casa, à mesa,
muitos publicanos e pecadores vieram e tomaram lugares com Jesus e seus
discípulos.” (Mt 9.10).
Esse episódio chocou tanto, que os fariseus
logo o criticaram como se lê no versículo seguinte.
Parece que estamos diante de trechos bíblicos
contraditórios.
É comum às pessoas apoiar-se numa expressão
muito frequente: “Deus odeia o pecado; mas ama o pecador”. Isso é fato.
Entretanto, a má interpretação tem causado grande dano; porque, por “amor ao
pecador”, muitos vivem tranquilamente rodeados de quem não tem qualquer
interesse na correção de seus erros. Vai-se amando o pecador que permanece
mergulhado em seus pecados, a caminho do inferno.
Não foi essa a atitude de Jesus. Ele esteve à
mesa com pecadores, sempre andou entre pecadores e declarou que os que têm
saúde não precisam de médico. Ele fora o médico entre os doentes; mas não foi
parceiro deles. Andou com os maus até ao ponto de ter sido crucificado entre
dois ladrões. Jesus não se esquivou dos pecadores, por amor a eles, Jesus
estava preocupado no resgate daqueles homens; não, na convivência pacífica com
as más obras deles.
No episódio da crucificação, dois ladrões
ladeavam o Mestre. Ele amava a ambos e poderia salvá-los do inferno;
entretanto, apenas um buscou arrependimento no magnífico momento de convívio
com Cristo. Que distância os separava do Senhor? A mesma, lado a lado. Jesus os
amava a ambos; mas apenas um o reconheceu como salvador.
O salmista mostra que o homem que não se
ajunta com os malfeitores é feliz, bem-aventurado. Pode-se acrescentar que essa
felicidade também está em ser exemplo do bom comportamento. Está em ser luz nas
trevas.
O apóstolo Paulo recomenda que o cristão
perceba que está em posição diametralmente oposta à do não-cristão; por isso,
não há concordância entre as partes. Luz e trevas não se ajuntam. Então está
proposta a inimizade? Obviamente não!
A recomendação apostólica é que haja
compreensão de que a maneira de vida dos infiéis não pode contaminar a maneira
de vida dos fiéis. O próprio Senhor Jesus orou ao Pai, pedindo que os fiéis
fossem preservados do mal, e não do mundo em que vivem (Jo 17.15).
Viver entre os infiéis não significa endossar
ou ignorar sua conduta, em nome do amor; pois, consentir naquilo que é errado
não é demonstração de amor. Portanto, é engano achar que aquele que aponta o erro,
que põe às claras ao pecador a sua ação pecaminosa é alguém a quem falta amor.
É necessário discernir a diferença entre amor e conivência com o erro.
A falta desse entendimento vem trazendo
enormes prejuízos ao ambiente cristão. Por “amor”, pastores não corrigem os
erros de seu rebanho; por “amor”, pregadores açucaram suas pregações,
apaziguando os conflitos gerados pelo erro. Por “amor” a miscigenação
pecaminosa vai acontecendo impune. Há poucos companheiros para João Batista,
que pregava no deserto gritando “Arrependei-vos, porque está próximo o reino
dos céus” (Mt 1.2). Há poucos companheiros para Pedro, que disse a respeito de
Cristo aos judeus que observaram a ocorrência do Pentecoste, em Jerusalém: “...
sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o
matastes, crucificando-o por mãos de iníquos...” (At. 2.23). Há poucos
companheiros para Paulo, que se dirige aos Gálatas: “ó, gálatas insensatos!
Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus exposto como
crucificado?” (Gl 3.1). Há poucos profetas para o nosso tempo.
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