Existem
palavras e expressões que podem ser consideradas um problema semântico
(problema de significado) em certos contextos. Algumas canções “gospel” e
também inúmeros pregadores usam várias delas, o que, em geral, se não compromete
a intenção do texto compromete a boa linguagem, algo indispensável em todas as
formas de referência a Deus. Evidentemente, nem todas as pessoas têm o domínio
das boas formas de dizer; isso, porém, não pode servir de desculpa para a
desatenção que se vê em toda a parte. Também há os que inventam formas, às
quais denominam linguagem figurada, metafórica. Ocorre que a linguagem
subjetiva também tem seus limites. Vejam-se os casos a seguir, que ocorrem com
mais frequência nos cultos:
1.
Apaixonado: Em grande parte das
igrejas, frequentemente, cantam-se músicas por meio das quais os fiéis se dizem
“apaixonados” por Jesus. Por isso vale uma reflexão sobre tal adjetivo.
Ora,
essa palavra é derivada de “paixão” que, originalmente, significa “sofrimento”,
“angústia” “frustração” ou “estado passional”. Logo, estar “apaixonado” é estar
angustiado. Se alguém está apaixonado, o objeto do seu encanto mostra-se impossível
de ser alcançado. Será isso que se pretende dizer ao entoar a canção?
Alguém
poderá defender a questão, dizendo que a tal palavrinha também assume o sentido
de alguém ser entusiasta, defensor de uma ideia ou crença. Não discordo; mas
alerto: a noção da palavra paixão,
nesse sentido, revela extrapolação da razão, exacerbação, defesa até arrogante
de algo. Portanto, o apaixonado abre mão da razão, perde o foco racional, para dar
vazão aos seus sentimentos mais ilógicos.
Não
é essa a atitude ensinada pelo apóstolo Paulo, que recomenda: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de
Deus, que apresenteis o vosso corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a
Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis
qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. (Rm 12.1-2). Diz
mais: “Que farei, pois? Orarei com o
espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas
também cantarei com o entendimento”. (1Co 14.15). Acrescenta: “Todavia, eu antes quero falar na igreja
cinco palavras na minha própria inteligência, para que possa também instruir os
outros, do que dez mil palavras em língua desconhecida”. (1Co 14.19).
Claro
que se dirá que essas citações aludem às línguas estranhas na igreja. Sim, e
não só; uma vez que o contexto aborda a racionalidade no culto a Deus. Então, é
possível notar que o apaixonado não age no exercício de sua razão.
Quando
se diz que alguém defende um ponto de vista com paixão, apaixonadamente, ou se
pretende desmerecer-lhe a racionalidade da defesa, ou se pratica uma hipérbole,
que vem a ser a linguagem que enfatiza o exagero. Nunca esquecer, porém, que a
linguagem figurada é de natureza subjetiva, portanto oposta à racionalidade
característica da linguagem objetiva. Fique-se, então, com os ensinos de Paulo.
2.
Deixa Deus ser Deus: A falta de
instrução escolar leva muitas pessoas a usarem frases ou palavras que se chamam
clichês, chavão. Trata-se de formas que, de tão usadas, perderam a
expressividade, têm um esvaziamento do significado. Aí está um chavão. Essa
frase não diz nada! Quem a usa pensa que provocará algum efeito no ouvinte.
Provoca nada, além de crítica.
Ora
ninguém precisa, nem pode, nem deve, nem vai jamais impedir que o Senhor seja
Deus. Ele é Deus, independentemente de alguém deixar ou não deixar. Que
é o homem? “O homem é semelhante à
vaidade; os seus dias são como a sombra que passa” (Sl 144. 4). Claro que
os defensores de frases prontas dirão que com isso, sugerem que o ouvinte não
pretenda interferir nas decisões de Deus. Então fale isso, de forma clara,
consistente. Não aproveite a frase de outrem; a menos que o cite.
3.
Ainda és o mesmo Deus: a palavra ainda é um advérbio. Empregado nessa
frase, denota continuidade durante tempo impreciso que pode se interromper em
qualquer momento. Repare nos exemplos seguintes: O rapaz ainda é menor de idade. Um dia, já não o será. As
pessoas ainda estão na praça. Logo mais deixarão esse lugar. Eu ainda sou o chefe. Talvez, dentro de
pouco tempo não seja. Em todas essas situações, espera-se uma alteração na
situação. Ora, se não há dúvida alguma da perenidade do Senhor, torna-se
paradoxal dizer-se que ele ainda é
Deus e, a seguir, citar: “Jesus Cristo é
o mesmo, e ontem, hoje, e eternamente” (Hb 11.8). Convém observar e
meditar, a fim de que se apresente ao Senhor um culto como ele merece,
oferecendo-lhe nosso sacrifício vivo (saudável em todos os aspectos, inclusive
na aplicação da razão); santo (separado para esse fim) o qual é agradável ao
Senhor por ser o nosso culto racional.
Izaldil
Tavares de Castro
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