Gosto da clareza, das coisas explicadas. As
mal explicadas geram confusão ou introduzem falso conhecimento. O assunto que
pretendo abordar é um tanto melindroso, mas não quero deixar de dar a minha
contribuição.
Talvez possamos partir da compreensão do que
seja “profetismo”. A palavra designa, neste contexto, tendo em vista o sufixo –ismo; em primeiro plano, uma atividade
constante, habitual, definida e permanente.
Aqui, chamo de profetismo a “atividade de
alguns profetas”, considerando-se como tais, aqueles que trazem uma mensagem
não registrada no texto bíblico, e, quase sempre, expressa num vocabulário
especificamente místico.
O primeiro capítulo da Carta aos Hebreus
esclarece, no versículo primeiro: “Há
muito tempo, Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos
antepassados, por meio dos profetas; mas, nestes últimos dias, falou-nos por
meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e por meio de quem
fez o Universo.”.
No passado, Deus enviou suas mensagens aos
homens, pela boca dos profetas, seus escolhidos para tal mister. A condição de
profeta foi tão importante que determinou a divisão do Antigo Testamento em
três partes: A lei, os Profetas e os Escritos (A Torá). O profeta do Antigo
Testamento estabelecia uma relação entre a vontade de Deus e a conduta humana.
Eles trouxeram mensagens de proteção, de bênçãos, mas também, grandes
exortações contra os descaminhos, além de ameaças de sérios castigos por causa
dos pecados do povo. Outros, como Isaías, predisseram eventos futuros para
Israel; a vinda do Messias, sua divina tarefa neste mundo e o futuro glorioso do
povo de Deus na Eternidade.
Vale salientar que no tempo antigo não havia
a Bíblia que hoje conhecemos. Que se sabe sobre as profecias do passado? Aquilo
que está registrado na História dos hebreus. Logo, entende-se que os profetas
não se abasteciam de conhecimento buscado nas páginas sagradas, mas num contato
profundo com Deus, que os chamara e com eles dialogava, determinando-lhes a
mensagem. Por isso era normal o profeta anunciar: “Assim diz o Senhor,...”.
Evidentemente a soberania divina não tem
qualquer impedimento; assim, se o Senhor quiser falar com alguém ou com a
igreja local, por meio de um dos seus membros, ele o fará. O apóstolo Paulo
ensina à igreja de Corinto e, evidentemente, à igreja de nossos dias, inclusive
sobre a glossolalia (falar em outras línguas). Aquela igreja “a quem nenhum dom
faltava” (I Co 1. 7) deu muito trabalho ao apóstolo, devido à falta de bom
comportamento social e, por conseguinte, à ordem necessária nas reuniões. Ali
todos falavam ao mesmo tempo, discutiam, interrogavam intempestivamente e, até
nas reuniões de Ceia, davam mau exemplo. Quanto ao falar em língua, Paulo
ensina:
“Assim,
se toda a igreja se reunir e todos falarem em línguas, e entrarem alguns não
instruídos ou descrentes, não dirão que vocês estão loucos? Mas se entrar algum
descrente ou não instruído, quando vocês estiverem profetizando, ele por todos
será convencido de que é pecador... Assim ele se prostrará, rosto em terra, e
adorará a Deus, exclamando: “Deus realmente está entre vocês!”... Tudo seja
feito para edificação da igreja. Se, porém, alguém falar em língua, devem falar
dois, no máximo três, e alguém deve interpretar. Se não houver intérprete,
fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus” (I Coríntios, 14.
26-28).
O assunto das línguas estranhas poderá ser
visto em outro momento, já que esta página volta-se para a questão da profecia.
O mesmo apóstolo Paulo determina a forma da
profecia na igreja neotestamentária: “Tratando-se
de profetas, falem dois ou três, e os outros julguem cuidadosamente o que foi
dito. Se vier uma revelação a alguém que está sentado, cale-se o primeiro. Pois
vocês todos podem profetizar, cada um por sua vez, de forma que todos sejam
instruídos e encorajados. O espírito dos profetas está sujeito aos profetas.
Pois, Deus não é Deus de desordem, mas de paz.” (I Coríntios, 14. 29-33).
Esse texto deixa claro que já não há profetas
como os do Antigo Testamento, aqueles específicos, chamados por Deus, para uma
tarefa contínua; “pois vocês todos podem profetizar”. Todavia, parece uma
afirmação contraditória com o que registra a Carta aos Efésios, 4. 11-13. Ora,
se não há mais a função de profeta, que atue como aqueles do Antigo Testamento,
como se poderá entender que “Ele mesmo deu uns para profetas”?
Para a Igreja contemporânea Deus escolheu
alguns dos seus servos para o exercício do dom de profecia, assim como chamou
pastores, evangelistas, mestres e doutores. A ministração da profecia atual
está sujeita a julgamento, quer da igreja, quer de outros profetas, mas,
sobretudo da infalível Palavra de Deus. A Bíblia está acima dos profetas, ela
os põe à prova, ela estabelece os parâmetros de sua mensagem.
Grande parte das igrejas evangélicas
contemporâneas adotou uma doutrina de cerceamento, de ameaça mesmo, quando o
assunto atinge a hierarquia administrativa. Fala-se em cada esquina: “Não
toquem nos ungidos!” Quem são esses ungidos? Aqueles que galgaram postos de
relevância na estrutura hierárquica da igreja? Nesse ponto, parece haver
resquício de catolicismo romano, que afirma a infalibilidade papal. Há igrejas
cujos lideres são “infalíveis donos da verdade”. São líderes intocáveis!
Deus não deu esses ministérios para que tais
ministros se arroguem direitos especialíssimos; deu-os para a edificação do
corpo de Cristo. (Ef 4.13). Ou são eles co-operadores (para clareza da ideia
escrevi com hífen) dessa obra de edificação, ou usam mal o seu ministério e
estão sujeitos à crítica, sem dúvida!
A hierarquia da igreja local não é
todo-poderosa, como alguns pretendem fazê-la. O líder cristão não é o “chefe”
(no sentido social da palavra) da igreja. Aliás, é assim que a Igreja Católica
chama ao Papa.
Voltemos ao dom da profecia.
Que características deve ter o que profetiza?
Vejamos algumas:
1. Tem que ter humildade, companheirismo e
submissão ao ministério da igreja; se o profeta for arrogante, sua mensagem poderá
ser corrompida. Sem proximidade com os irmãos, será visto como alguém estranho
que só tem “mensagens do céu” em cada culto. Se insubmisso, com base na sua
prepotência, gerará os piores atritos e até divisões. Atitude completamente
errada é “incensar” aquele que profetizou. Também há grande erro naqueles que
vivem à procura de “uma palavra do profeta”. A mensagem profética Deus dá à
congregação, a fim de corrigir erros, animar para o trabalho, mostrar a
aceitação divina com relação à obra ou mesmo a sua rejeição. O crente não
precisa “procurar” profetas, precisa estudar a Bíblia!
2. Precisa nutrir profundo interesse pela
pureza da igreja; para tanto, o profeta mantém comunhão com Deus, rogando-lhe
essa bênção para o povo.
3. Deve cultivar o discernimento para
identificar falsos ensinos na congregação;
4. Não pode deixar o desejo ardente pelo
crescimento da obra do Senhor e pela união dos irmãos, em obediência à Palavra
de Deus.
5. Deve apegar-se à Bíblia. Profeta precisa
conhecer e manejar bem a Palavra de Deus.
Nenhuma profecia pode contrariar o texto
sagrado. O que a Bíblia diz está dito. Cumpra-se!
Aqui, uma opinião absolutamente pessoal
quanto às profecias que se ouvem sempre. Tenho-me incomodado com profecias que
declaram em público aquilo que alguém tem pedido a Deus de modo particular. Já
ouvi em pleno culto alguém profetizar: “Eis que te darei aquilo que tens me
pedido, em tuas orações pela madrugada!”.
Ora, se a Deus pedi de modo pessoal ou
particular, creio que assim ele me responderá! Deus não é grosseiro, nem
mal-educado! E, caso a resposta me venha por profecia, entendo que essa me será
transmitida secretamente; não em público. Por acaso interessa à igreja que eu
oro pelas madrugadas e ali peço a Deus um atendimento? Não é isso entre mim e
Ele? Mas o profeta, por falta de sabedoria, propaga a mensagem que me deveria
dar em secreto.
Por fim, e dadas as considerações acima,
parece-me evidente que o que se chama de “profetismo” não cabe na Igreja do
Novo Testamento. A profecia constata uma chamada conforme mencionada na Carta
aos Efésios, 4.11-13. Ora, o que não cabe na Igreja deste século, não cabe nas
igrejas que se submetem à Palavra de Deus.
Creio, também, que a “profecia” de nossos
dias ocupa os mais diversos canais para direcionar os caminhos da igreja. A
profecia - como tal - pode vir do púlpito, por meio da exposição da Palavra de
Deus, pode vir por intermédio de um dos membros da igreja – ainda que jamais
tenham profetizado; pode vir por intermédio de um profeta já conhecido na
congregação; pode vir num texto que cumprirá a missão designada pelo Espírito
Santo.
A profecia não requer preâmbulos místicos,
não obriga o profeta a rodopios, nem necessita de caracterizar-se pelo “jargão
profético” que sempre inicia com “Eis que...”; “Serva minha” etc. Geralmente
essas coisas são meramente usos habituais do profeta que, sendo sábio,
procurará abandoná-los.
Deus não é judeu, nem grego, nem brasileiro.
Ele conhece todas as línguas humanas e a nenhuma constituiu “língua santa”.
Então, Ele não manda falar hebraico para uma comunidade brasileira, nem alemão,
no Congo. Deus é sábio, o profeta, às vezes não o é. Essas práticas erradas é
que conduzem àquilo que chamo “profetismo”.
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