Introdução
Se perguntarmos a qualquer seguidor do cristianismo qual é a sua religião, certamente, ele responderá que segue a “religião evangélica”, ou a “religião católica”. Essas respostas virão tanto de um seguidor eventual como de um seguidor fiel. Entretanto, são respostas que merecem alguma reflexão quanto à concepção de religião que têm essas pessoas.
A palavra religião vem do verbo religare (latim), logo, significa religação. Esse sentido da palavra religião remete-nos ao que escreveu o apóstolo Paulo, na Epístola aos Romanos 3.23:
“Porque todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus.”
Partindo-se desse mesmo princípio semântico (de religação), tem-se que religião seja o sistema capaz de religar a Deus o pecador destituído da glória divina - a palavra destituído significa deposto, afastado, aquele que perdeu posição. Dessa forma, se religião consiste num processo de reconciliação entre Deus e o homem, esvazia-se a noção de cristianismo.
JESUS CRISTO NÃO VEIO TRAZER NEM OFICIALIZAR QUALQUER RELIGIÃO
O ser humano ficou destituído da glória de Deus, quando pecou, por desobediência, contra o Criador. Naquela ocasião, o pecado excluiu a humanidade da participação na glória do Senhor, uma glória que foi tirada de toda a Terra. O Éden foi esvaziado; o homem e a sua posteridade viram-se perambulando pela aridez que provocara. Os primeiros capítulos do Gênesis retratam com clareza essa situação.
Acontece que o homem havia provado, no Éden, uma beleza da qual jamais poderia esquecer-se: a beleza de um mundo existente na glória de Deus. O mundo em que caíra o pecador não lhe seria tão cruel, caso lhe fosse permitido não ter a consciência de um passado tão glorioso; o mundo atual tornou-o infeliz. Esse estado consciente de separação da glória de Deus desenvolveu no ser humano o espírito de religiosidade.
Religiosidade é, pois, a ansiedade da alma pelo retorno ao Criador. Nasceram, então, as religiões, ou seja, os pretensos sistemas humanos de religação com o Altíssimo. Entretanto, as religiões, desde sempre, levam o homem, cada vez mais, ao afastamento de Deus, uma vez que não existe atitude, esforço, sistemas de cultos ou outros meios que possam intermediar o relacionamento afetado pelo pecado. O Homo religiosus resultou do próprio distanciamento de Deus.
Evidentemente, a religiosidade humana, bem como os seus sistemas religiosos não são meios de a humanidade se acertar com Deus. Jesus não veio referendar a religiosidade de ninguém, muito menos criar uma religião salvadora.
O CRISTIANISMO EXTINGUE O ESPÍRITO RELIGIOSO
Durante o seu ministério, no decurso de três anos, o Senhor Jesus encontrou pessoas altamente religiosas. Como já vimos, desde a Queda, o ser humano desenvolveu intensa religiosidade como tábua de salvação num mar revolto. Os judeus eram extremamente responsáveis na cobrança e altamente cuidadosos dos princípios que os orientavam na prática religiosa. Jesus teve grandes discussões com os fariseus, por causa da religiosidade deles. Até o templo deles era religiosamente cultuado. Certa ocasião, quando recriminado por aqueles homens, a respeito da guarda do sábado, Jesus repreendeu-os:
“Pois eu vos digo que está aqui quem é maior do que o templo. Mas se vós soubésseis o que significa: ‘Misericórdia quero e não sacrifício’, não condenaríeis os inocentes. Porque o Filho do Homem até do sábado é Senhor.” (Mt 12.6-8)
Jesus não veio proteger a religiosidade humana; mas, desfazê-la.
“Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra a sua mãe, e a nora contra a sua sogra. E, assim, os inimigos do homem serão os seus familiares.” (Mt 10.34-36)
Muitos não entendem essas palavras de Jesus. Parece incompreensível que o Senhor pretendesse pôr em oposição os membros de uma família! Mas ele pôs, e põe, quando quebra a religiosidade familiar em favor do cristianismo. Nem todo crente em Jesus goza os benefícios de uma relação saudável com a religiosidade dos de sua casa.
POR QUE JESUS EXTINGUE A RELIGIOSIDADE E A RELIGIÃO?
Acabamos de ver, nas Escrituras, a oposição de Jesus aos sistemas religiosos. Tais sistemas eram - e ainda são - uma afronta à divina tarefa do Salvador. Se, porventura, a religião resolve o conflito entre Deus e o homem, foi inútil a vinda e o sacrifício do Filho de Deus.
Os religiosos, consequentemente, vivem enganados, presos à religião, que lhes parece ser o caminho da salvação; porém, é o caminho da perdição. Lê-se no livro do profeta Isaías:
“O povo que andava em trevas viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na região da sombra da morte resplandeceu a luz” (Is 9.2)
“O Espírito do Senhor Jeová está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração e a proclamar liberdade aos cativos e a abertura de prisão aos presos; a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus, a consolar todos os tristes...” (Is 61.1-2)
O povo que andava em trevas eram os devotos religiosos, que, na sombra da religiosidade, não podiam ver a luz da verdade salvadora. Jesus veio trazer liberdade para os cativos dos sistemas religiosos. A abertura da prisão aos presos não se refere às cadeias humanas, mas às cadeias da religiosidade e das religiões.
“Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam. E não quereis vir a mim para terdes vida.” (Jo 5.39-40)
As Escrituras Sagradas não são um livro religioso. Elas testificam e apresentam o Senhor que dá Vida aos homens. Entretanto, os próprios homens que examinam as Escrituras em busca da vida eterna não querem ir ao Senhor Jesus, porque o buscam em suas religiões. Jesus Cristo suprime as religiões e delas liberta o homem, abrindo a porta de acesso a Deus Pai.
Em 1843, Karl Marx usou uma frase - que lhe era anterior - e disse “A religião é o ópio do povo”. Seria possível vislumbrar-se certa verdade nessa afirmação, se o ateísmo não ignorasse que o cristianismo não é religião. De fato a religião, esse fruto da ansiedade religiosa, entorpece e cega o homem, para que não veja a limpidez do cristianismo que resgata, misericordiosamente, o homem, para Deus.
“E ele disse-lhes: ‘A vós é dado saber os mistérios do Reino de Deus, mas aos que estão de fora, todas essas coisas se dizem por parábolas, para que, vendo não vejam, e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam, para que se não convertam, e lhes sejam perdoados os pecados.’” (Mc 4.11-12)
Jesus referia-se aos judeus que descriam das suas palavras, porque eram profundamente arraigados à religião e à religiosidade.
CRENTES RELIGIOSOS
O cristianismo evangélico carece de melhor entendimento sobre o evangelho de Jesus Cristo. Já há muitos séculos, desde que a cristandade deveria compreender a magnitude do evangelho de Cristo Jesus. Por que tão grande atraso? Porque a Igreja Evangélica (não necessariamente a liderança) ainda vive num ambiente de religiosidade, sem se deter fielmente na busca de conhecimento das Boas Novas, trazidas pelo Senhor Jesus.
Ainda somos crentes muito religiosos; defendemos sistemas humanos interpostos entre nós e o nosso Deus; apegamo-nos a dogmas denominacionais, a costumes, a proibições ou a imposições. Estamos calcificados em coisas que aprendemos sem avaliação bíblica. Contudo, não percebemos a incongruência dessa religiosidade.
“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” (Jo 8.36)
Se permanecemos dogmáticos, religiosos, ligados a crendices humanas ou a preceitos de lideranças equivocadas, evidentemente, não somos, de fato, livres por Jesus Cristo.
A Igreja Evangélica brasileira precisa observar a importância da reverência à Palavra de Deus, cujo “estudo” requer observância irrestrita das Escrituras Sagradas, com base em toda inteligência espiritual - como afirmou o apóstolo Paulo. A Igreja deste século precisa acompanhar os moldes dos crentes de Bereia. (At 17.11).
“Por esta razão, nós também, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar vós e de pedir que sejais cheios de conhecimento da sua vontade em toda a sabedoria e inteligência espiritual, para que possais andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda boa obra e crescendo no conhecimento de Deus;...” (Cl 1.9-10, grifo meu)
Conclusão
Nem tudo o que se ouve nas pregações pode servir de alimento à nossa vida espiritual; é necessário discernimento entre o que serve e o que não serve; pois existem mensagens provindas unicamente de forte emoção ou interesse particular do pregador, tais como profecias inverídicas, além de outras obviamente mentirosas.
Infelizmente, muitos púlpitos abrigam homens despreparados; “pregadores” que, em lugar de uma mensagem cristocêntrica, ocupam com rodeios desnecessários e desinteressantes o tempo destinado a uma exposição bíblica inspirada pelo Espírito Santo. Muitos deles são homens preocupados com uma religiosidade desgastada, que não alimenta sadiamente a igreja.
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