segunda-feira, 15 de agosto de 2016

CRENTE PODE SER FACCIOSO?

Ser faccioso é fazer, promover ou participar de uma facção. A palavra facção significa partido, ou congregação dos que participam de um ideal distinto de outros; mas também, aplica-se a nomear um bando que provoca movimentos e ações contrárias à boa ordem. As notícias policiais não param de mencionar a expressão “facção criminosa”; sim, pois, nem toda facção é criminosa.

O ideário filosófico é necessariamente faccioso (no bom sentido), assim como o pensamento teológico. Nessa perspectiva, ser faccioso não é criticável, e todos o somos. Tanto o arminianismo como o calvinismo são facções que labutam em caminhos opostos no trato teológico. Exatamente por ser uma batalha no campo das interpretações, não pode servir de arma para se guerrear no palco das grosserias, o que vem acontecendo nestes últimos tempos.

Entretanto, porque já mencionei o “campo das grosserias”, não custa abordar a questão das facções intraeclesiásticas. Claro que, de acordo com o critério mencionado, há facções dentro das igrejas, e só ingênuos não veem isso, ou as veem com maus olhos (Mt 6.22-23). A questão é separar os bons e dos maus motivos das facções. Na igreja não pode haver maus motivos para facções; mas os bons são interessantes. O apóstolo Paulo, na sua Primeira Carta aos Coríntios, orienta contra a ocorrência de má facção. Ele tanto luta contra isso, que chega a rogar aos irmãos.

Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa e que não haja entre vós dissensões; antes, sejais unidos, em um mesmo sentido e em um mesmo parecer” (1Co 1.10).

Que pedido paradoxal! Como pode o apóstolo dos gentios solicitar que entre pessoas não ocorra divergência? Para se aceitar a proposta paulina, é necessário que se adote um sistema monocrático; que se dê a um líder a decisão indiscutível sobre qualquer questão. Quem, sendo inteligente, se submeteria a uma proposta dessa? Em que Paulo se baseia para dar tal orientação à igreja? Vejamos em que ele se baseou:

“... e vos revestistes do novo homem, que se renova para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.10). “Assim, como povo escolhido de Deus, santo e amado, revesti-vos de um coração pleno de compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência. Zelai uns pelos outros e perdoai-vos mutuamente; caso alguém tenha protesto contra o outro, assim como o Senhor vos perdoou, assim também procedei. Acima de tudo, no entanto, revesti-vos do amor que é o elo da perfeição. Seja a paz de Cristo o juiz em vossos corações, tendo em vista que fostes convocados para viver em paz, como membros de um só corpo. E sede agradecidos...” (Cl 3.12-15).

Note-se que Paulo apresenta quem deve dar a palavra final, irrevogável nos nossos desencontros, que são normais, humanos, por isso, sujeitos às discussões. Ele diz: “Seja a paz de Cristo o juiz...”, outra versão emprega o nome “arbitro”. Discussões de pontos de vista podem formar boas facções, as quais engrandecem a articulação do pensamento, uma vez que Deus nos criou à sua imagem e semelhança, atribuindo-nos (a todos e não a um) a faculdade de raciocinar. Mas, devemos, então, então facciosos? No bom sentido do termo, sim.

O termo “faccioso”, usado por Paulo alude a “egoísta” (Rm 2. 8); divisor, contendor (Tt 3.10). Tiago também usa o termo para designar o egoísta (Tg 3.14). Esses, evidentemente, não têm o Espírito de Cristo como árbitro. Trata-se do faccioso que não agrada a Deus. Distante da instrução bíblica, o cristão facilmente se agrega a uma facção perniciosa à igreja.

Nós, os crentes, temos a vaidade de afirmar que “andarmos em conformidade com a Escritura”. Mas essa mesma vaidade tira o brilho da verdade. Sem que nos demos conta, cometemos erros pueris (mas desastrosos) quanto à Palavra de Deus. Não atentamos para a humildade pessoal recomendada pelo próprio Paulo. Somos defensores de nós mesmos, de nossas ideias, de nossas conclusões pessoais e ferimos nossos irmãos que discordam de nós acertadamente ou não. Criamos facções reprováveis, e, dessa maneira, estabelecemos enfrentamentos; vivemos digladiando em defesa aguerrida da “nossa honra”, da “nossa moral”, da “nossa palavra”, do nosso “conhecimento da Palavra de Deus”.  Estamos em defesa do “nosso”. Essa, porém, não é a recomendação do Senhor para nós.

Seja a paz de Cristo o juiz em vossos corações”. Não somos nós os juízes, não somos nós os ditadores. Caso sejamos ofendidos, o remédio é compreender que “Todos nós andamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos” (Is 53.6). O Senhor Jesus foi humilhado por “todos” nós; porém não abriu a sua boca em defesa própria, porque humildemente sofria por nós “todos” (Fp 2.8). Se, verdadeiramente somos cristãos, se somos seus discípulos, não nos cabe a defesa de nossa razão, ainda que nos valhamos de textos bíblicos como aval de nossa reivindicação. É necessário que nos humilhemos perante o Senhor e, em seu tempo, ele nos recompensará (Tg 4.10). Não troquemos a coroa da justiça (2Tm 4.8) pela coroa da nossa vaidade. Amém.
Ev. Izaldil Tavares de Castro.

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