Ser faccioso é fazer, promover
ou participar de uma facção. A palavra facção significa partido, ou congregação
dos que participam de um ideal distinto de outros; mas também, aplica-se a
nomear um bando que provoca movimentos e ações contrárias à boa ordem. As notícias
policiais não param de mencionar a expressão “facção criminosa”; sim, pois, nem
toda facção é criminosa.
O ideário filosófico é
necessariamente faccioso (no bom sentido), assim como o pensamento teológico.
Nessa perspectiva, ser faccioso não é criticável, e todos o somos. Tanto o arminianismo
como o calvinismo são facções que labutam em caminhos opostos no trato
teológico. Exatamente por ser uma batalha no campo das interpretações, não pode
servir de arma para se guerrear no palco das grosserias, o que vem acontecendo
nestes últimos tempos.
Entretanto, porque já
mencionei o “campo das grosserias”, não custa abordar a questão das facções
intraeclesiásticas. Claro que, de acordo com o critério mencionado, há facções
dentro das igrejas, e só ingênuos não veem isso, ou as veem com maus olhos (Mt
6.22-23). A questão é separar os bons e dos maus motivos das facções. Na igreja
não pode haver maus motivos para facções; mas os bons são interessantes. O
apóstolo Paulo, na sua Primeira Carta aos Coríntios, orienta contra a ocorrência
de má facção. Ele tanto luta contra isso, que chega a rogar aos irmãos.
“Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que
digais todos uma mesma coisa e que não haja entre vós dissensões; antes, sejais
unidos, em um mesmo sentido e em um mesmo parecer” (1Co 1.10).
Que pedido paradoxal! Como
pode o apóstolo dos gentios solicitar que entre pessoas não ocorra divergência?
Para se aceitar a proposta paulina, é necessário que se adote um sistema
monocrático; que se dê a um líder a decisão indiscutível sobre qualquer
questão. Quem, sendo inteligente, se submeteria a uma proposta dessa? Em que
Paulo se baseia para dar tal orientação à igreja? Vejamos em que ele se baseou:
“... e vos revestistes do novo homem, que se renova para o pleno
conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.10). “Assim, como povo escolhido de Deus, santo e
amado, revesti-vos de um coração pleno de compaixão, bondade, humildade, mansidão
e paciência. Zelai uns pelos outros e perdoai-vos mutuamente; caso alguém tenha
protesto contra o outro, assim como o Senhor vos perdoou, assim também
procedei. Acima de tudo, no entanto, revesti-vos do amor que é o elo da
perfeição. Seja a paz de Cristo o juiz em vossos corações, tendo em vista que
fostes convocados para viver em paz, como membros de um só corpo. E sede
agradecidos...” (Cl 3.12-15).
Note-se que Paulo apresenta
quem deve dar a palavra final, irrevogável nos nossos desencontros, que são
normais, humanos, por isso, sujeitos às discussões. Ele diz: “Seja a paz de
Cristo o juiz...”, outra versão emprega o nome “arbitro”. Discussões de pontos
de vista podem formar boas facções, as quais engrandecem a articulação do
pensamento, uma vez que Deus nos criou à sua imagem e semelhança,
atribuindo-nos (a todos e não a um) a faculdade de raciocinar. Mas, devemos,
então, então facciosos? No bom sentido do termo, sim.
O termo “faccioso”, usado por Paulo
alude a “egoísta” (Rm 2. 8); divisor, contendor (Tt 3.10). Tiago também usa o
termo para designar o egoísta (Tg 3.14). Esses, evidentemente, não têm o
Espírito de Cristo como árbitro. Trata-se do faccioso que não agrada a Deus. Distante
da instrução bíblica, o cristão facilmente se agrega a uma facção perniciosa à
igreja.
Nós, os crentes, temos a
vaidade de afirmar que “andarmos em conformidade com a Escritura”. Mas essa
mesma vaidade tira o brilho da verdade. Sem que nos demos conta, cometemos
erros pueris (mas desastrosos) quanto à Palavra de Deus. Não atentamos para a
humildade pessoal recomendada pelo próprio Paulo. Somos defensores de nós
mesmos, de nossas ideias, de nossas conclusões pessoais e ferimos nossos irmãos
que discordam de nós acertadamente ou não. Criamos facções reprováveis, e, dessa
maneira, estabelecemos enfrentamentos; vivemos digladiando em defesa aguerrida
da “nossa honra”, da “nossa moral”, da “nossa palavra”, do nosso “conhecimento
da Palavra de Deus”. Estamos em defesa
do “nosso”. Essa, porém, não é a recomendação do Senhor para nós.
“Seja a paz de Cristo o juiz em vossos corações”. Não somos nós os
juízes, não somos nós os ditadores. Caso sejamos ofendidos, o remédio é
compreender que “Todos nós andamos
desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor
fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos” (Is 53.6). O Senhor Jesus foi
humilhado por “todos” nós; porém não abriu a sua boca em defesa própria, porque
humildemente sofria por nós “todos” (Fp 2.8). Se, verdadeiramente somos
cristãos, se somos seus discípulos, não nos cabe a defesa de nossa razão, ainda
que nos valhamos de textos bíblicos como aval de nossa reivindicação. É
necessário que nos humilhemos perante o Senhor e, em seu tempo, ele nos recompensará
(Tg 4.10). Não troquemos a coroa da justiça (2Tm 4.8) pela coroa da nossa
vaidade. Amém.
Ev. Izaldil Tavares de Castro.
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