quarta-feira, 24 de novembro de 2021

ELES NÃO!

 



 Um dos mais graves problemas, recorrentes no seio das igrejas, é a rejeição de um membro, indicado para assumir qualquer cargo na igreja. Geralmente, a causa dessa recusa não está em qualquer aspecto de inaptidão intelectual ou espiritual da pessoa, o que - a priori - justificaria um impedimento, cortesmente anunciado à pessoa. Mesmo assim, é possível evitar-se tal inconveniente, se as condições do pré-candidato forem bem avaliadas anteriormente ao convite.

Ocorre, porém, que essa prática da rejeição vai além da falta de empatia, ou seja, vai além da falta de disposição para sentir o que o outro sente. A rejeição, frequentemente, atinge a esfera da simpatia, que significa revestir-se de sentimento semelhante ao do outro, como ensina o apóstolo Paulo, quando sugere que “todos tenham um mesmo parecer” (1Co 1.10; 2Co 13.11).  

As Escrituras condenam a discriminação, portanto a antipatia, pois ela contraria o maior mandamento do Senhor Jesus (João 15.12), além de outras passagens que orientam o cristão a que considere a superioridade do seu semelhante. (Fp 2.3-4). O homem vê o exterior, mas Deus sonda os corações (1Sm 16.7).

A rejeição do próximo está na índole pecaminosa do ser humano. Caim rejeitou a fraternidade e matou Abel. Tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento há exemplos de homens escolhidos por Deus, e rejeitados por seus semelhantes. O ser humano tende a excluir os que lhe são desiguais em alguma coisa.

O mundo tornou-se uma aldeia global; mas, para o cristianismo isso não deveria ser novidade. O apóstolo Paulo mostra que o próprio Deus “globalizou”, em Cristo, o mundo cristão.

 

“Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derribando a parede de separação que estava no meio, na sua carne, desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo, dos dois, um novo homem, fazendo a paz, [...]” (Ef 2.14-15; grifos meus).

 

1.    O PROBLEMA DO ESTRANGEIRISMO CRISTÃO

 

Rigorosamente falando, e ressalvando pouquíssimas exceções temporárias, não faz sentido, nestes tempos, a continuidade da existência de algumas igrejas que insistem na intransigência de sua origem estrangeira, tornando-se, desnecessariamente, um gueto. Com o tempo, as gerações seguintes desligam-se das origens ancestrais e tais igrejas definham até à morte, por causa da falta de sentido em permanecer reduto de crentes estrangeiros. Trata-se de um processo natural de aculturação.

O Brasil, por exemplo, é “a casa do mundo todo”; assim, os nossos irmãos estrangeiros, em pouco tempo dominam a língua e adaptam-se aos costumes brasileiros para a vida secular; seus filhos e netos já são brasileiros e, sem dúvida, não há como manter a sua vida cristã presa à origem.

O estrangeirismo religioso é uma barreira para que os da terra se aproximem da igreja com tradição estrangeira. Os nossos irmãos suecos, Daniel Berg e Gunnar Vingren, que aqui implantaram os trabalhos assembleianos, viram isso, e agiram em sentido contrário ao que têm feito muitos ministérios aqui implantados: Berg e Vingren esforçaram-se para aprender a língua e os hábitos do povo paraense. O resultado é evidente: a maior igreja pentecostal que se conhece.

 

“Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa.” (Gl 3.28-29).

 

“... e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele o criou; onde não há grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos.” (Cl 3.10-11).

 

2.    JEFTÉ? ELE NÃO!

 

Jefté era um guerreiro, nascido de uma prostituta. Seu pai era Gileade, o qual era casado e tinha filhos com a esposa. Esses filhos legítimos rejeitaram a presença de Jefté na família e não lhe deram direito a herança alguma. Por causa da rejeição e da perseguição, Jefté foi morar num lugarejo mal afamado, chamado Tobe, e convivia entre maus elementos.

Tempos depois, os amonitas vieram a guerrear contra Israel, que estava sem comandante para as suas batalhas. Os homens de Gileade, terra de Jefté, resolveram procurá-lo, dada a sua valentia, para que guerreasse contra os soldados de Amom.

A resposta de Jefté foi negativa, pois seu coração era magoado pela discriminação que sofrera de seus próprios irmãos paternos. Disse-lhes:

 

“Porventura, não me desprezastes a mim e não me repelistes da casa de meu pai? Por que, agora, viestes a mim, quando estais em aperto?” (Jz 11.7).

 

Os gileaditas insistiram com ele e lhe ofereceram a posição de chefe supremo de toda a Gileade. Aceita a proposta, Jefté entrou em ação, confiando na providência divina. A narrativa bíblica sobre Jefté é longa. Vencida a batalha contra aqueles inimigos, ele se tornou o 8º juiz sobre Israel, julgou-o durante seis anos e faleceu. (Juízes 11).

Esse relato no livro dos Juízes mostra que, ainda que os homens acusem, rejeitem e desprezem o seu irmão, por causa de seus defeitos, Deus pode fazer dele um príncipe.

 

3.    JOSÉ: DE REJEITADO A GOVERNADOR

 

A história de José é bem conhecida dos cristãos; ela está registrada no livro do Gênesis. José era filho de Raquel, e tinha outros irmãos, filhos de Bila e de Zilpa, mulheres de Jacó. No capítulo 37, registra-se uma passagem que expõe o profundo amor que Jacó, nutria por seu filho José, e o ciúme que essa predileção causava nos seus irmãos, fato que gerou neles a terrível rejeição e quase assassina perseguição.

 

“E Israel (que é Jacó) amava a José mais do que a todos os seus filhos, porque era filho da sua velhice; e fez-lhe uma túnica de várias cores. Vendo, pois, seus irmãos que seu pai o amava mais do que a todos os seus irmãos, aborreceram-no e não podiam falar com ele pacificamente.” (Gn 37.3-4).

 

Aqui, mais uma história de um homem odiado pelos seus irmãos que, independentemente, de que razão tivessem eles, forjaram grande e prolongada mentira sobre o “desaparecimento” de José.

Os planos de Deus não são revelados àqueles que discriminam o seu semelhante, mas as bênçãos são reservadas aos que Deus aprova. José tornou-se além do mais importante homem do Egito, somente abaixo do Faraó, também instrumento de bênção para o seu pai e para os irmãos que o rejeitaram. A rejeição do homem não interfere na aceitação de Deus.

 

 

“Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos; nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como os céus são mais altos que a terra, assim, são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos.” (Is 55.9).

 

 

4.    PAULO, UMA APARÊNCIA DESVALORIZADA

 

Alguns motivos importantes aos olhos humanos fizeram com que o apóstolo Paulo sofresse algumas rejeições implacáveis. Logo no início, após a sua conversão, a igreja recusava dar-lhe a mão, uma vez que ele fora grande perseguidor dos cristãos.

Do nosso ponto de vista, por que tal atitude da igreja não devia ser entendida como normal? Quem de nós daria apoio a um perseguidor feroz que nos aparecesse convertido? Talvez Paulo quisesse dar um golpe!

Aqui um ponto importante que me leva a pensar que o espírito de rejeição já fazia parte da igreja primitiva. Senão, vejamos:

A igreja era formada por homens convertidos, servos do Senhor. Paulo estava a caminho de Damasco, como inimigo do povo de Deus. Segundo a nossa lógica, é de se perguntar: Por que o Senhor apareceu a um criminoso e falou com ele; mas não se manifestou à igreja convertida e posta em constante oração?

Além da repulsa dos cristãos, Paulo sofreu perseguições e ameaças daqueles que eram seus pares no judaísmo. Grande foi a luta daquele homem de Deus.

Também nós, muitas vezes, não conseguimos entender por que muitos incrédulos são materialmente abençoados, ao passo que temos aflições e dificuldades. (Sl 73.2-5). Mas, lemos, há pouco, sobre a diferença entre os nossos pensamentos e os pensamentos de Deus.

Paulo continuou sendo rejeitado não só pelos incrédulos, mas por muitos que com ele aprendiam. O apóstolo foi preso e perseguido pelos judeus, seus parentes.

 

“... Porque as suas cartas, dizem, são graves e fortes, mas a presença do corpo é fraca e a palavra, desprezível” (2Co 10.10).

 

Que ousadia diabólica! O homem a quem Deus escolhera foi chamado de desprezível. Poucos de nós teriam a grandeza desse sofrimento por amor à causa do evangelho. Por muito menos, entregamos a tarefa, mudamos de igreja e não poucos se desviam do caminho. Mas Paulo sabia que os sofrimentos, rejeições e ataques faziam parte de sua tarefa, até que chegasse ao final. Ele não deixava que a maldade dos que o odiavam ficasse à sua frente como uma barreira, mas olhava para o alvo.

 

“Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que: esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Fp 3.13-14).

 

Conclusão

 

Como vimos, o instinto de rejeição do outro é resultado do pecado. Está na carne e no sangue humano. Por isso vivemos num mundo que incentiva as disputas e os desafios, a busca de derrubar o outro. O homem, em sua imaturidade espiritual, luta para ser melhor, maior e mais importante do que o seu semelhante. Entretanto, não foi isso que Jesus ensinou aos seus seguidores. Sempre se fala que o cristão deve ter as marcas de Cristo em si mesmo, e poucos sabem quais devem ser essas marcas. Elas estão resumidas na Epístola de Paulo aos Gálatas 5.22.

Acontece que, se a carne tem as suas inclinações, como a rejeição do outro, essa mesma carne deve ser subjugada, a fim de que sejamos imitadores de Cristo, que jamais discriminou nem mesmo os seus perseguidores. A orientação dele, por intermédio de sua Santa Palavra, é que os irmãos tenham um mesmo modo de entender, segundo a direção do Espírito Santo.

Que o estrangeirismo e o nacionalismo exacerbados não se nomeiem na Igreja do Senhor, porque de dois povos (judeus e gentios) fez-nos um só povo para louvor e glória de Deus Pai. Todos nós somos estrangeiros e peregrinos neste mundo. (1Pe 2.11).

Entretanto, não está defendida aqui a tese da inclusão geral e irrestrita, porque, sendo nós “a luz do mundo” (Mt 5.14), não há como conviver com a treva. (1Jo 1.7). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Translate:

Pesquisar este blog

• Arguivo do blog