Um dos mais graves problemas, recorrentes no seio das
igrejas, é a rejeição de um membro, indicado para assumir qualquer cargo na
igreja. Geralmente, a causa dessa
recusa não está em qualquer aspecto de inaptidão intelectual ou espiritual da
pessoa, o que - a priori - justificaria um impedimento, cortesmente anunciado à
pessoa. Mesmo assim, é possível evitar-se tal inconveniente, se as condições do
pré-candidato forem bem avaliadas anteriormente ao convite.
Ocorre,
porém, que essa prática da rejeição vai além da falta de empatia, ou seja, vai
além da falta de disposição para sentir o que o outro sente. A rejeição,
frequentemente, atinge a esfera da simpatia, que significa revestir-se de sentimento
semelhante ao do outro, como ensina o apóstolo Paulo, quando sugere que “todos
tenham um mesmo parecer” (1Co 1.10; 2Co 13.11).
As
Escrituras condenam a discriminação, portanto a antipatia, pois ela contraria o
maior mandamento do Senhor Jesus (João 15.12), além de outras passagens que
orientam o cristão a que considere a superioridade do seu semelhante. (Fp
2.3-4). O homem vê o exterior, mas Deus sonda os corações (1Sm 16.7).
A
rejeição do próximo está na índole pecaminosa do ser humano. Caim rejeitou a
fraternidade e matou Abel. Tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento
há exemplos de homens escolhidos por Deus, e rejeitados por seus semelhantes. O
ser humano tende a excluir os que lhe são desiguais em alguma coisa.
O
mundo tornou-se uma aldeia global; mas, para o cristianismo isso não deveria
ser novidade. O apóstolo Paulo mostra que o próprio Deus “globalizou”, em
Cristo, o mundo cristão.
“Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos
fez um; e, derribando a parede de separação que estava no meio, na sua carne,
desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças,
para criar em si mesmo, dos dois, um novo homem, fazendo a paz,
[...]” (Ef 2.14-15; grifos meus).
1.
O PROBLEMA DO ESTRANGEIRISMO CRISTÃO
Rigorosamente
falando, e ressalvando pouquíssimas exceções temporárias, não faz sentido,
nestes tempos, a continuidade da existência de algumas igrejas que insistem na
intransigência de sua origem estrangeira, tornando-se, desnecessariamente, um
gueto. Com o tempo, as gerações seguintes desligam-se das origens ancestrais e
tais igrejas definham até à morte, por causa da falta de sentido em permanecer reduto
de crentes estrangeiros. Trata-se de um processo natural de aculturação.
O
Brasil, por exemplo, é “a casa do mundo todo”; assim, os nossos irmãos
estrangeiros, em pouco tempo dominam a língua e adaptam-se aos costumes
brasileiros para a vida secular; seus filhos e netos já são brasileiros e, sem
dúvida, não há como manter a sua vida cristã presa à origem.
O
estrangeirismo religioso é uma barreira para que os da terra se aproximem da
igreja com tradição estrangeira. Os nossos irmãos suecos, Daniel Berg e Gunnar
Vingren, que aqui implantaram os trabalhos assembleianos, viram isso, e agiram
em sentido contrário ao que têm feito muitos ministérios aqui implantados: Berg
e Vingren esforçaram-se para aprender a língua e os hábitos do povo paraense. O
resultado é evidente: a maior igreja pentecostal que se conhece.
“Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre;
não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de
Cristo, então sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa.” (Gl
3.28-29).
“... e vos vestistes do novo, que se renova para o
conhecimento, segundo a imagem daquele o criou; onde não há grego nem judeu,
circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo
em todos.” (Cl 3.10-11).
2.
JEFTÉ? ELE NÃO!
Jefté
era um guerreiro, nascido de uma prostituta. Seu pai era Gileade, o qual era
casado e tinha filhos com a esposa. Esses filhos legítimos rejeitaram a
presença de Jefté na família e não lhe deram direito a herança alguma. Por
causa da rejeição e da perseguição, Jefté foi morar num lugarejo mal afamado,
chamado Tobe, e convivia entre maus elementos.
Tempos
depois, os amonitas vieram a guerrear contra Israel, que estava sem comandante
para as suas batalhas. Os homens de Gileade, terra de Jefté, resolveram
procurá-lo, dada a sua valentia, para que guerreasse contra os soldados de
Amom.
A
resposta de Jefté foi negativa, pois seu coração era magoado pela discriminação
que sofrera de seus próprios irmãos paternos. Disse-lhes:
“Porventura, não me desprezastes a mim e não me
repelistes da casa de meu pai? Por que, agora, viestes a mim, quando estais em
aperto?” (Jz 11.7).
Os
gileaditas insistiram com ele e lhe ofereceram a posição de chefe supremo de
toda a Gileade. Aceita a proposta, Jefté entrou em ação, confiando na
providência divina. A narrativa bíblica sobre Jefté é longa. Vencida a batalha
contra aqueles inimigos, ele se tornou o 8º juiz sobre Israel, julgou-o durante
seis anos e faleceu. (Juízes 11).
Esse
relato no livro dos Juízes mostra que, ainda que os homens acusem, rejeitem e
desprezem o seu irmão, por causa de seus defeitos, Deus pode fazer dele um
príncipe.
3.
JOSÉ: DE REJEITADO A GOVERNADOR
A
história de José é bem conhecida dos cristãos; ela está registrada no livro do
Gênesis. José era filho de Raquel, e tinha outros irmãos, filhos de Bila e de
Zilpa, mulheres de Jacó. No capítulo 37, registra-se uma passagem que expõe o
profundo amor que Jacó, nutria por seu filho José, e o ciúme que essa
predileção causava nos seus irmãos, fato que gerou neles a terrível rejeição e quase
assassina perseguição.
“E Israel (que é Jacó) amava a José mais do que a
todos os seus filhos, porque era filho da sua velhice; e fez-lhe uma túnica de
várias cores. Vendo, pois, seus irmãos que seu pai o amava mais do que a todos
os seus irmãos, aborreceram-no e não podiam falar com ele pacificamente.” (Gn
37.3-4).
Aqui,
mais uma história de um homem odiado pelos seus irmãos que, independentemente,
de que razão tivessem eles, forjaram grande e prolongada mentira sobre o
“desaparecimento” de José.
Os
planos de Deus não são revelados àqueles que discriminam o seu semelhante, mas
as bênçãos são reservadas aos que Deus aprova. José tornou-se além do mais
importante homem do Egito, somente abaixo do Faraó, também instrumento de
bênção para o seu pai e para os irmãos que o rejeitaram. A rejeição do homem
não interfere na aceitação de Deus.
“Porque os meus pensamentos não são os vossos
pensamentos; nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque,
assim como os céus são mais altos que a terra, assim, são os meus caminhos mais
altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os
vossos pensamentos.” (Is 55.9).
4.
PAULO, UMA APARÊNCIA DESVALORIZADA
Alguns
motivos importantes aos olhos humanos fizeram com que o apóstolo Paulo sofresse
algumas rejeições implacáveis. Logo no início, após a sua conversão, a igreja
recusava dar-lhe a mão, uma vez que ele fora grande perseguidor dos cristãos.
Do
nosso ponto de vista, por que tal atitude da igreja não devia ser entendida
como normal? Quem de nós daria apoio a um perseguidor feroz que nos aparecesse
convertido? Talvez Paulo quisesse dar um golpe!
Aqui
um ponto importante que me leva a pensar que o espírito de rejeição já fazia
parte da igreja primitiva. Senão, vejamos:
A
igreja era formada por homens convertidos, servos do Senhor. Paulo estava a
caminho de Damasco, como inimigo do povo de Deus. Segundo a nossa lógica, é de
se perguntar: Por que o Senhor apareceu a um criminoso e falou com ele; mas não
se manifestou à igreja convertida e posta em constante oração?
Além
da repulsa dos cristãos, Paulo sofreu perseguições e ameaças daqueles que eram
seus pares no judaísmo. Grande foi a luta daquele homem de Deus.
Também
nós, muitas vezes, não conseguimos entender por que muitos incrédulos são
materialmente abençoados, ao passo que temos aflições e dificuldades. (Sl
73.2-5). Mas, lemos, há pouco, sobre a diferença entre os nossos pensamentos e
os pensamentos de Deus.
Paulo
continuou sendo rejeitado não só pelos incrédulos, mas por muitos que com ele
aprendiam. O apóstolo foi preso e perseguido pelos judeus, seus parentes.
“... Porque as suas cartas, dizem, são graves e
fortes, mas a presença do corpo é fraca e a palavra, desprezível” (2Co 10.10).
Que
ousadia diabólica! O homem a quem Deus escolhera foi chamado de desprezível. Poucos
de nós teriam a grandeza desse sofrimento por amor à causa do evangelho. Por
muito menos, entregamos a tarefa, mudamos de igreja e não poucos se desviam do
caminho. Mas Paulo sabia que os sofrimentos, rejeições e ataques faziam parte
de sua tarefa, até que chegasse ao final. Ele não deixava que a maldade dos que
o odiavam ficasse à sua frente como uma barreira, mas olhava para o alvo.
“Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado;
mas uma coisa faço, e é que: esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e
avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da
soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Fp 3.13-14).
Conclusão
Como
vimos, o instinto de rejeição do outro é resultado do pecado. Está na carne e
no sangue humano. Por isso vivemos num mundo que incentiva as disputas e os
desafios, a busca de derrubar o outro. O homem, em sua imaturidade espiritual,
luta para ser melhor, maior e mais importante do que o seu semelhante.
Entretanto, não foi isso que Jesus ensinou aos seus seguidores. Sempre se fala
que o cristão deve ter as marcas de Cristo em si mesmo, e poucos sabem quais
devem ser essas marcas. Elas estão resumidas na Epístola de Paulo aos Gálatas
5.22.
Acontece
que, se a carne tem as suas inclinações, como a rejeição do outro, essa mesma
carne deve ser subjugada, a fim de que sejamos imitadores de Cristo, que jamais
discriminou nem mesmo os seus perseguidores. A orientação dele, por intermédio
de sua Santa Palavra, é que os irmãos tenham um mesmo modo de entender, segundo
a direção do Espírito Santo.
Que
o estrangeirismo e o nacionalismo exacerbados não se nomeiem na Igreja do
Senhor, porque de dois povos (judeus e gentios) fez-nos um só povo para louvor
e glória de Deus Pai. Todos nós somos estrangeiros e peregrinos neste mundo.
(1Pe 2.11).
Entretanto,
não está defendida aqui a tese da inclusão geral e irrestrita, porque, sendo
nós “a luz do mundo” (Mt 5.14), não há como conviver com a treva. (1Jo
1.7).
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