sábado, 9 de outubro de 2021

SEGUNDO A BÍBLIA, DEVEMOS ORAR PELOS QUE SE AFASTARAM DO EVANGELHO?

 



 

Textos para a meditação no assunto:

1.     “Se alguém vir seu irmão cometer pecado que não é para morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para a morte. Há pecado para morte, e, por esse não digo que ore. Toda iniquidade é pecado, e há pecado que não é para morte. Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca...” (1Jo 5.16-18).

2.     “... Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e as virtudes do século futuro, e recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus e o expõem a vitupério.

Porque a terra que embebem a chuva que muitas vezes cai sobre ela e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada recebe a bênção de Deus. Mas, a que produz espinhos e abrolhos é reprovada e perto está da maldição; o seu fim é ser queimada...” (Hb 6.4-8).

 

Introdução.

Tenho certeza de que, neste assunto, pisamos em terreno difícil. Porém, é nos terrenos difíceis que se treina para se andar bem.

É habitual, em grande parte das igrejas e em muitos dos seus membros, a preocupação com aqueles que se desviam da verdade do evangelho. Normalmente, essa preocupação é tão grande que faz “gastarem-se todas as energias” para recuperar os que se afastaram do Caminho (Jo 14.6), em detrimento de alcançar aqueles que nunca experimentaram a bênção da salvação em Cristo Jesus. É possível que a ansiedade pelo retorno dos que se tornaram infiéis seja causada pelo grau de afinidade social e, principalmente, pelo amor aos familiares.

A Bíblia, entretanto, não deixa de esclarecer a situação, como se lê em Ezequiel 18.4:

 

“Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá.”

 

Para que a compreensão da responsabilidade individual para com Deus, há, ainda, outras referências: Provérbios 8.36; 20; João 8.24; Romanos 14.12.

Por favor, não tenha pressa para se opor ao que digo, valendo-se da parábola da ovelha perdida (Lc 15.2-5). A ovelha perdida não se opõe ao retorno ao aprisco. Logo, não é essa a questão aqui levantada. Este assunto anda no terreno complicado da apostasia. Queira o Senhor ajudar-me com a sua graça nesta meditação.

 

1.     HÁ DIFERENÇA ENTRE APOSTASIA E HERESIA

 

Para que se entenda com clareza esse contexto, é necessário que se relembre a diferença entre a prática da apostasia e a da heresia. Apostasia é a decisão de renunciar a princípios outrora seguidos. O apóstata afasta-se dos caminhos do evangelho, renegando o valor da sua salvação. Ele decide - de livre e espontânea vontade - abandonar os princípios bíblicos, pelos quais se guiava. Há grande quantidade de pessoas que, infelizmente, apostataram da fé em Cristo Jesus.

Por sua vez, a heresia - numa explicação singela - consiste na evidente oposição à verdade das Escrituras, ou na alteração dessa Verdade. O herege desconstrói ou falsifica a verdade da Palavra de Deus, para fazer valer suas próprias e contestáveis interpretações, contrárias à Palavra de Deus. No Éden, a serpente, falando com Eva, introduziu no mundo a heresia.

“... E esta (a serpente) disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3.1 – grifos meus).

 

2.     TODAS AS PESSOAS COMETEM PECADOS

 

Todos os homens estão sujeitos a cometer pecados; o apóstolo João aponta em sua 1ª Epístola 1.5-10 a condição humana de pecadores. O apóstolo Paulo declara que todos pecaram. Quanto a essa condição, a diferença está em que há pecadores ímpios: aqueles que têm prazer na vida pecaminosa, os quais estão destituídos da glória de Deus (Rm 3.23). Porém, há pecadores salvos, aqueles que, pela graça divina, vieram a Cristo e foram transportados das trevas “para o reino do Filho do seu amor.” (Cl 1.13). Estes, enquanto peregrinam por este mundo, estão em constante risco de pecar; embora não se alegrem com tal possibilidade. Os outrora fiéis, que retornaram à vida de infidelidade a Deus, são culpados de apostasia.

Para os pecadores salvos é que João escreveu a porção alentadora, a fim de lembrar que eles devem confessar os seus pecados, confiantes de que têm um “Advogado diante do Pai: Jesus Cristo, o Justo” (1Jo 2.1). Assim sendo, os salvos não cometem apostasia, mas mantêm-se, dia a dia, sustentados pela fé no Filho de Deus e lutam por obedecer aos seus mandamentos.

 

3.     UM POUCO DE ATENÇÃO AO CONTEÚDO DE HEBREUS

 

Antes de se prosseguir na linha de raciocínio sobre a apostasia, é conveniente uma breve retomada do conteúdo da Epístola aos Hebreus. Note-se que o escritor da epístola em apreço, faz, nos capítulos anteriores (1 a 5), uma longa explanação teológica para os judeus convertidos ao evangelho, a fim de esclarecer que a Nova Aliança, instituída por Cristo Jesus, no Calvário, é o cumprimento das promessas contidas na Antiga Aliança, sendo-lhe superior e definitiva. Ele trata, portanto, dos rudimentos da fé cristã.

O capítulo 6 pode ser visto como uma espécie de interrupção da exposição inicial. O autor parece ficar incomodado com comportamentos doutrinários que se assemelham a um círculo vicioso. O incômodo do escritor deveria ser o nosso também, nestes tempos. Não é difícil verificar que a Igreja tem andado em círculo!

Já no primeiro versículo do sexto capítulo, a repreensão manda “deixar os rudimentos”, isto é, deixar os ensinamentos básicos, propedêuticos do conhecimento cristão, e impele ao prosseguimento até que se chegue à perfeição.

A partir do capítulo 7, é retomada a argumentação, até o capítulo 10.18. A partir do versículo 19, é-nos dada uma preciosa lição sobre a perseverança na fé. “Sem fé é impossível agradar a Deus” (11.6). A importância da fé está exaustivamente exemplificada no capítulo 11, o que justifica a conclusão que inicia o capítulo 12. A preciosíssima Epístola aos Hebreus (e a nós) encerra-se com as observações pastorais no capítulo 13.

 

4.     É BÍBLICO ORAR PELOS APÓSTATAS?

 

Chegamos ao cerne da questão levantada. Caso se dê atenção a uma leitura descontextualizada dos dois trechos bíblicos (1João 5.16-18 e Hb 6.4-8) selecionados acima, a resposta imediata dirá que não se deve orar por aqueles que seguem caminhos desviados da fé cristã. Porém, é necessário verificar que ambos os textos aplicam-se a modalidades diferentes de desvios.

O texto de João fala de um pecado para a morte, e de outro pecado, que não é para morte.

De que morte fala o apóstolo? Ele fala da morte espiritual, que significa o destino tenebroso e definitivo dos que permanecem afastados da graça de Deus.

Ainda que o apóstolo João não exemplifique especificamente o pecado para morte, o contexto deixa bem clara a situação.

O versículo 16 inicia: “Se alguém vir seu irmão cometer pecado...”. A partícula condicional “se” e o verbo ver, flexionado no modo conjuntivo (noção de hipótese) denotam o caso de uma ocorrência eventual. Isso quer dizer que o crente fiel comete pecados ocasionalmente, por viver, ainda, nesta circunstância material.

O versículo 17 informa que toda iniquidade é pecado. No sentido bíblico, a palavra iniquidade opõe-se à palavra equidade, isto é, aquilo que está em equilíbrio com o que é justo ou divinamente ordenado. O sentido de iniquidade, nesse contexto, difere do sentido de impiedade, pois essa denota uma vida de aversão ao que é santo ou sagrado: a vida do ímpio. O pecado ocasional é também uma iniquidade, mas não é pecado para morte (entenda-se espiritual).

O versículo 18 ensina que a pessoa nascida de Deus não peca! Haverá nisso uma contradição? De modo nenhum! Ocorre que o pecado daquele que é nascido de Deus (o novo nascimento, de que fala João 3.1-10) é perdoado. “Deus dará vida àqueles que não pecarem para morte.” (v.16). Nesse caso, o apóstolo recomenda a oração para perdão. (v.16a). Há pecado para morte, e, por esse não digo que ore. A recomendação expressa é que não se ore pelo apóstata.

Verificando-se o texto de Hebreus, o autor trata da gravíssima situação dos que “pecam para morte” e a razão pela qual não se deve orar por quem comete tal pecado.

 

“Porque é impossível que os que já foram uma vez iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e as virtudes do século futuro, e recaíram, sejam, outra vez, renovados para arrependimento;...” (Hb 6.4-6a).

 

O texto afirma que é impossível que sejam outra vez renovados para arrependimento! Quem são esses pecadores a quem o versículo se refere? Os versículos seguintes esclarecem.

 

“Porque a terra que embebe a chuva que muitas vezes cai sobre ela e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada, recebe a bênção de Deus;...” (v.7).

 

Uma erva que frutifica bons frutos é abençoada por Deus. O crente, em seu estado terreno, está sujeito a pecar, mas reconcilia-se com Deus e produz bons frutos de arrependimento. O rei Davi cometeu pecados graves, mas arrependeu-se profundamente, rogou o perdão e a misericórdia de Deus, e foi perdoado.

 

“... mas a que produz espinhos e abrolhos é reprovada e perto está da maldição; o seu fim é ser queimada.” (v.8).

 

 A árvore má também aproveita da boa chuva; na terra em que está também é irrigada; ela cresce ali, mas o seu fruto é ruim. O fruto do pecado é ruim e seu salário é a morte. (Rm 6.23a). A árvore má exemplifica aqueles que um dia foram iluminados pelo Espírito Santo, provaram a boa palavra de Deus entre seus irmãos, conheceram as virtudes da salvação eterna; mas decidiram, baseados em suas próprias conclusões, abandonar a jornada, e renegaram aquilo em que foram ensinados. Esses apóstatas - ou desviados – apreciam mostrar as razões que têm para a sua desistência dos caminhos eternos; por isso caminham para a perdição inexorável. O Espírito Santo não mais os convence do pecado, da justiça e do juízo de Deus.

 

“Todavia, digo-vos a verdade: que vos convém que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós... E, quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça, e do juízo; do pecado, porque não creem em mim; da justiça, porque vou para meu Pai e não me vereis mais; e do juízo, porque já o príncipe deste mundo está julgado.” (Jo 16.6-11).

“E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o Dia da redenção” (Ef 4.30).

 

Conclusão

Não se pode ignorar a frequência com que, na atualidade, a instrução evangélica é, além de escassa, redundante; as igrejas têm patinado na doutrina sagrada, sem que consigam ir adiante. Em, praticamente, todos os cultos as pregações retomam os primeiros passos da doutrina de Cristo; os crentes envelhecem, sem melhor conhecimento das Escrituras.

 

“Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus.” (Mt 22.29).

 

 

 

O capítulo em apreço conclui o pensamento do autor solicitando que se deixe esse circunlóquio doutrinário (6.1). Andar em círculo não leva a parte alguma, igrejas! É necessário o crescimento da inteligência espiritual (Cl 1.9).

Tornou-se comum, como já se falou na introdução deste texto, a preocupação em se colocar nas orações a vida de parentes e amigos que se mantêm na condição de apóstatas da fé. Ora, se eles assim se mantêm, tornaram-se apóstatas, condição de foro pessoal; porque, deliberadamente renunciaram à fé verdadeira em Cristo Jesus, e abandonaram a obediência à sua Palavra. Os apóstatas já não têm o verdadeiro amor pelo Senhor, nem por sua obra.

 

“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, este é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.” (Jo 14.21).

 

Não se deve orar pelos que decidiram pela apostasia; eles buscaram a sua própria exclusão do Reino de Deus, nem pelos que - ouvindo a mensagem de salvação – recusam aceitá-la. Quase sempre se pede oração por alguém que, apesar de insistentemente evangelizado, decide permanecer na vida de pecado. Por que oraremos por quem recusa o Senhor?

         

“E, se ninguém vos receber, nem escutar as vossas palavras, saindo daquela casa ou daquela cidade sacudi o pó dos vossos pés. Em verdade vos digo que, no Dia do Juízo, haverá menos rigor para Sodoma e Gomorra, do que para aquela cidade.” (Mt 10.14-15).

 

Por outro lado, é necessário cuidado, para não se considerar apóstata aquele que na sua ignorância do evangelho, termina por acompanhar os propagadores de heresias, os quais são falsos profetas. A esses seguidores deve ser anunciada a Palavra da verdade, para ver se é possível tirá-los da heresia em que se envolveram inconscientemente. (1Co 9.22).

Por esses deve haver oração, a fim de que o Espírito Santo lhes ilumine a mente e se voltem para o evangelho de salvação.

Que o Espírito Santo aja no coração e na vida daqueles que lideram e instruem os crentes, considerando que Deus mesmo os colocou para levar, conduzir, fazer andar a Igreja até o pleno conhecimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus, até à medida da estatura completa de Cristo.

 

“Antes, seguindo a verdade em caridade, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4.15 – grifo meu).

 

 

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