Textos
para a meditação no assunto:
1. “Se alguém vir seu irmão cometer pecado que não é para
morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para a morte. Há
pecado para morte, e, por esse não digo que ore. Toda iniquidade é pecado, e há
pecado que não é para morte. Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não
peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe
toca...” (1Jo
5.16-18).
2. “... Porque é impossível que os que já uma vez foram
iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito
Santo, e provaram a boa palavra de Deus e as virtudes do século futuro, e
recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a
eles, de novo crucificam o Filho de Deus e o expõem a vitupério.
Porque a terra que embebem a chuva que muitas vezes cai
sobre ela e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada recebe a
bênção de Deus. Mas, a que produz espinhos e abrolhos é reprovada e perto está
da maldição; o seu fim é ser queimada...” (Hb 6.4-8).
Introdução.
Tenho certeza de que, neste assunto, pisamos
em terreno difícil. Porém, é nos terrenos difíceis que se treina para se andar
bem.
É habitual, em grande parte das igrejas e em
muitos dos seus membros, a preocupação com aqueles que se desviam da verdade do
evangelho. Normalmente, essa preocupação é tão grande que faz “gastarem-se
todas as energias” para recuperar os que se afastaram do Caminho (Jo 14.6), em
detrimento de alcançar aqueles que nunca experimentaram a bênção da salvação em
Cristo Jesus. É possível que a ansiedade pelo retorno dos que se tornaram
infiéis seja causada pelo grau de afinidade social e, principalmente, pelo amor
aos familiares.
A Bíblia, entretanto, não deixa de esclarecer
a situação, como se lê em Ezequiel 18.4:
“Eis que todas as
almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma
que pecar, essa morrerá.”
Para que a compreensão da responsabilidade
individual para com Deus, há, ainda, outras referências: Provérbios 8.36; 20;
João 8.24; Romanos 14.12.
Por favor, não tenha pressa para se opor ao
que digo, valendo-se da parábola da ovelha perdida (Lc 15.2-5). A ovelha
perdida não se opõe ao retorno ao aprisco. Logo, não é essa a questão aqui
levantada. Este assunto anda no terreno complicado da apostasia. Queira o
Senhor ajudar-me com a sua graça nesta meditação.
1. HÁ DIFERENÇA ENTRE APOSTASIA E HERESIA
Para que se entenda com clareza esse contexto,
é necessário que se relembre a diferença entre a prática da apostasia e a da
heresia. Apostasia é a decisão de renunciar a princípios
outrora seguidos. O apóstata afasta-se dos caminhos do evangelho, renegando o
valor da sua salvação. Ele decide - de livre e espontânea vontade - abandonar
os princípios bíblicos, pelos quais se guiava. Há grande quantidade de pessoas
que, infelizmente, apostataram da fé em Cristo Jesus.
Por sua vez, a heresia - numa explicação singela - consiste na evidente oposição à
verdade das Escrituras, ou na alteração dessa Verdade. O herege desconstrói ou
falsifica a verdade da Palavra de Deus, para fazer valer suas próprias e
contestáveis interpretações, contrárias à Palavra de Deus. No Éden, a serpente,
falando com Eva, introduziu no mundo a heresia.
“... E esta (a
serpente) disse à mulher: É assim que
Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3.1 –
grifos meus).
2. TODAS AS PESSOAS COMETEM PECADOS
Todos os homens estão sujeitos a cometer
pecados; o apóstolo João aponta em sua 1ª Epístola 1.5-10 a condição humana de
pecadores. O apóstolo Paulo declara que todos
pecaram. Quanto a essa condição, a diferença está em que há pecadores
ímpios: aqueles que têm prazer na vida pecaminosa, os quais estão destituídos
da glória de Deus (Rm 3.23). Porém, há pecadores salvos, aqueles que, pela
graça divina, vieram a Cristo e foram transportados das trevas “para o reino do
Filho do seu amor.” (Cl 1.13). Estes, enquanto peregrinam por este mundo, estão
em constante risco de pecar; embora não se alegrem com tal possibilidade. Os
outrora fiéis, que retornaram à vida de infidelidade a Deus, são culpados de
apostasia.
Para os pecadores salvos é que João escreveu
a porção alentadora, a fim de lembrar que eles devem confessar os seus pecados,
confiantes de que têm um “Advogado diante do Pai: Jesus Cristo, o Justo” (1Jo 2.1).
Assim sendo, os salvos não cometem apostasia, mas mantêm-se, dia a dia, sustentados
pela fé no Filho de Deus e lutam por obedecer aos seus mandamentos.
3. UM POUCO DE ATENÇÃO AO CONTEÚDO DE HEBREUS
Antes de se prosseguir na linha de raciocínio
sobre a apostasia, é conveniente uma breve retomada do conteúdo da Epístola aos
Hebreus. Note-se que o escritor da epístola em apreço, faz, nos capítulos
anteriores (1 a 5), uma longa explanação teológica para os judeus convertidos
ao evangelho, a fim de esclarecer que a Nova Aliança, instituída por Cristo
Jesus, no Calvário, é o cumprimento das promessas contidas na Antiga Aliança, sendo-lhe
superior e definitiva. Ele trata, portanto, dos rudimentos da fé cristã.
O capítulo 6 pode ser visto como uma espécie
de interrupção da exposição inicial. O autor parece ficar incomodado com comportamentos
doutrinários que se assemelham a um círculo vicioso. O incômodo do escritor
deveria ser o nosso também, nestes tempos. Não é difícil verificar que a Igreja
tem andado em círculo!
Já no primeiro versículo do sexto capítulo, a
repreensão manda “deixar os rudimentos”, isto é, deixar os ensinamentos
básicos, propedêuticos do conhecimento cristão, e impele ao prosseguimento até
que se chegue à perfeição.
A partir do capítulo 7, é retomada a argumentação,
até o capítulo 10.18. A partir do versículo 19, é-nos dada uma preciosa lição sobre
a perseverança na fé. “Sem fé é impossível agradar a Deus” (11.6). A
importância da fé está exaustivamente exemplificada no capítulo 11, o que
justifica a conclusão que inicia o capítulo 12. A preciosíssima Epístola aos
Hebreus (e a nós) encerra-se com as observações pastorais no capítulo 13.
4. É BÍBLICO ORAR PELOS APÓSTATAS?
Chegamos ao cerne da questão levantada. Caso se
dê atenção a uma leitura descontextualizada dos dois trechos bíblicos (1João
5.16-18 e Hb 6.4-8) selecionados acima, a resposta imediata dirá que não se
deve orar por aqueles que seguem caminhos desviados da fé cristã. Porém, é
necessário verificar que ambos os textos aplicam-se a modalidades diferentes de desvios.
O texto de João fala de um pecado para a
morte, e de outro pecado, que não é para morte.
De que morte fala o apóstolo? Ele fala da
morte espiritual, que significa o destino tenebroso e definitivo dos que permanecem
afastados da graça de Deus.
Ainda que o apóstolo João não exemplifique
especificamente o pecado para morte,
o contexto deixa bem clara a situação.
O versículo 16 inicia: “Se alguém vir seu
irmão cometer pecado...”. A partícula condicional “se” e o verbo ver, flexionado no modo conjuntivo (noção
de hipótese) denotam o caso de uma ocorrência eventual. Isso quer dizer que o
crente fiel comete pecados ocasionalmente,
por viver, ainda, nesta circunstância material.
O versículo 17 informa que toda iniquidade é
pecado. No sentido bíblico, a palavra iniquidade
opõe-se à palavra equidade, isto é,
aquilo que está em equilíbrio com o que é justo ou divinamente ordenado. O
sentido de iniquidade, nesse contexto, difere do sentido de impiedade, pois
essa denota uma vida de aversão ao que é santo ou sagrado: a vida do ímpio. O pecado
ocasional é também uma iniquidade, mas não é pecado para morte (entenda-se
espiritual).
O versículo 18 ensina que a pessoa nascida de
Deus não peca! Haverá nisso uma contradição? De modo nenhum! Ocorre que o
pecado daquele que é nascido de Deus (o novo nascimento, de que fala João 3.1-10)
é perdoado. “Deus dará vida àqueles que não
pecarem para morte.” (v.16). Nesse caso, o apóstolo recomenda a oração para
perdão. (v.16a). Há pecado para morte, e,
por esse não digo que ore. A recomendação expressa é que não se ore pelo
apóstata.
Verificando-se o texto de Hebreus, o autor
trata da gravíssima situação dos que “pecam para morte” e a razão pela qual não
se deve orar por quem comete tal pecado.
“Porque é impossível que os que já foram uma vez
iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito
Santo, e provaram a boa palavra de Deus e as virtudes do século futuro, e
recaíram, sejam, outra vez, renovados para arrependimento;...” (Hb 6.4-6a).
O texto afirma que é impossível que sejam outra vez renovados para arrependimento! Quem são esses pecadores a quem o
versículo se refere? Os versículos seguintes esclarecem.
“Porque a terra que
embebe a chuva que muitas vezes cai sobre ela e produz erva proveitosa para
aqueles por quem é lavrada, recebe a bênção de Deus;...” (v.7).
Uma erva que frutifica bons frutos é abençoada por Deus. O crente, em seu estado terreno,
está sujeito a pecar, mas reconcilia-se com Deus e produz bons frutos de
arrependimento. O rei Davi cometeu pecados graves, mas arrependeu-se
profundamente, rogou o perdão e a misericórdia de Deus, e foi perdoado.
“... mas a que produz
espinhos e abrolhos é reprovada e perto está da maldição; o seu fim é ser
queimada.” (v.8).
A
árvore má também aproveita da boa chuva; na terra em que está também é irrigada;
ela cresce ali, mas o seu fruto é ruim.
O fruto do pecado é ruim e seu salário é a morte. (Rm 6.23a). A árvore má
exemplifica aqueles que um dia foram iluminados pelo Espírito Santo, provaram a
boa palavra de Deus entre seus irmãos, conheceram as virtudes da salvação
eterna; mas decidiram, baseados em suas próprias conclusões, abandonar a
jornada, e renegaram aquilo em que foram ensinados. Esses apóstatas - ou desviados
– apreciam mostrar as razões que têm para a sua desistência dos caminhos
eternos; por isso caminham para a perdição inexorável. O Espírito Santo não
mais os convence do pecado, da justiça e do juízo de Deus.
“Todavia, digo-vos a
verdade: que vos convém que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá
a vós... E, quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça, e do
juízo; do pecado, porque não creem em mim; da justiça, porque vou para meu Pai
e não me vereis mais; e do juízo, porque já o príncipe deste mundo está
julgado.” (Jo 16.6-11).
“E não entristeçais o
Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o Dia da redenção” (Ef 4.30).
Conclusão
Não se pode ignorar a frequência com que, na
atualidade, a instrução evangélica é, além de escassa, redundante; as igrejas
têm patinado na doutrina sagrada, sem que consigam ir adiante. Em,
praticamente, todos os cultos as pregações retomam os primeiros passos da
doutrina de Cristo; os crentes envelhecem, sem melhor conhecimento das
Escrituras.
“Jesus, porém, respondendo,
disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus.” (Mt
22.29).
O capítulo em apreço conclui o pensamento do
autor solicitando que se deixe esse circunlóquio doutrinário (6.1). Andar em
círculo não leva a parte alguma, igrejas! É necessário o crescimento da
inteligência espiritual (Cl 1.9).
Tornou-se comum, como já se falou na
introdução deste texto, a preocupação em se colocar nas orações a vida de
parentes e amigos que se mantêm na condição de apóstatas da fé. Ora, se eles assim
se mantêm, tornaram-se apóstatas, condição de foro pessoal; porque,
deliberadamente renunciaram à fé verdadeira em Cristo Jesus, e abandonaram a
obediência à sua Palavra. Os apóstatas já não têm o verdadeiro amor pelo
Senhor, nem por sua obra.
“Aquele que tem os
meus mandamentos e os guarda, este é o que me ama; e aquele que me ama será
amado de meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.” (Jo 14.21).
Não se deve orar pelos que decidiram pela
apostasia; eles buscaram a sua própria exclusão do Reino de Deus, nem pelos que
- ouvindo a mensagem de salvação – recusam aceitá-la. Quase sempre se pede
oração por alguém que, apesar de insistentemente evangelizado, decide
permanecer na vida de pecado. Por que oraremos por quem recusa o Senhor?
“E, se ninguém vos
receber, nem escutar as vossas palavras, saindo daquela casa ou daquela cidade
sacudi o pó dos vossos pés. Em verdade vos digo que, no Dia do Juízo, haverá
menos rigor para Sodoma e Gomorra, do que para aquela cidade.” (Mt 10.14-15).
Por outro lado, é necessário cuidado, para
não se considerar apóstata aquele que na sua ignorância do evangelho, termina
por acompanhar os propagadores de heresias, os quais são falsos profetas. A
esses seguidores deve ser anunciada a Palavra da verdade, para ver se é possível
tirá-los da heresia em que se envolveram inconscientemente. (1Co 9.22).
Por esses deve haver oração, a fim de que o
Espírito Santo lhes ilumine a mente e se voltem para o evangelho de salvação.
Que o Espírito Santo aja no coração e na vida
daqueles que lideram e instruem os crentes, considerando que Deus mesmo os
colocou para levar, conduzir, fazer andar a Igreja até o pleno conhecimento de
Jesus Cristo, o Filho de Deus, até à medida da estatura completa de Cristo.
“Antes, seguindo a
verdade em caridade, cresçamos em
tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4.15 – grifo meu).
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