Um dos significados mais frequentes da
palavra gentileza inclui as ações nobres, respeitosas e carregadas de
amabilidade. As gentilezas fazem parte de um caráter socialmente educado; elas
não resultam, necessariamente, de imposições externas, e extrapolam catálogos da
boa convivência social, como quer o que chamam de “politicamente correto”. Daí
que, entre a franqueza áspera e o eufemismo, entre a rudeza e a gentileza,
instalou-se a hipocrisia, ou seja, a prática de um comportamento desonestamente
gentil. Essa atitude intermediária, a hipócrita, talvez denote a ocultação de
um caráter fraco, pouco merecedor de respeito.
Ora, ao fazer essa reflexão, parece que enfatizo as atitudes rudes. Não é o que pretendo; entendo que tanto a hipocrisia quanto a rudeza marcam atitudes igualmente dispensáveis. Assim, ponho-me como partidário da gentileza, que, em si, é honesta.
Quase sempre, as minhas reflexões que tratam
da maneira como agem as pessoas, não visam a um grupo social específico;
todavia, há, sempre, nesses pensamentos, uma atenção especial para o
comportamento cristão, mormente evangélico. Sabe-se que os cristãos verdadeiros
buscam substituir a rudeza pela gentileza e, sem dúvida, também fugir da
hipocrisia. Aqui, o comportamento cristão fica sob a luz da reflexão.
Na condição de cristãos, cabe-nos verificar como andam as nossas atitudes para com o próximo; pois, sem isso, fatalmente erraremos no cumprimento do primeiro e do segundo mandamentos divinos:
“E, um deles, doutor
da lei, interrogou-o, para o experimentar, dizendo: ‘Mestre, qual é o grande
mandamento da lei?’ E Jesus lhe disse: ‘Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o
teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o
primeiro e grande mandamento. E, o segundo, semelhante a esse, é: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo...’”. (Mt 22.35-39).
Estarão todas as nossas atitudes, explícitas
ou implícitas, em acordo com o que disse Jesus? Não haverá densas camadas de
hipocrisia nas nossas atitudes implícitas? Eis aí um sério problema intensificado
pela noção moderna do que seja “politicamente correto”. É nesse contexto que
nos surge a pergunta: Que é amar ao próximo? Que significa, de fato, dizermos
ao irmão de fé que o amamos, sem qualquer mancha de hipocrisia?
Inicialmente, é necessário verificar o sentido do verbo amar, empregado no contexto dos versículos citados. O que é amar a Deus? Amar a Deus é sinceramente admirar a sua grandiosidade; é ansiar pela presença dele. O salmista diz:
“Do Senhor é a terra
e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam.” (Sl 24.1).
“Como o cervo brama
pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha
alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a
face de Deus?” (Sl 42.1).
Amar a Deus é ter reverência absoluta ao
Senhor de todas as coisas; é tributar-lhe louvor e adoração exclusivos; é
obedecer ao seu querer.
“Aquele que tem os
meus mandamentos e os guarda, este é o que me ama; e aquele que me ama será
amado de meu Pai e eu o amarei e me manifestarei a ele.” (Jo 14.21).
O que é amar ao próximo, tal como nos amamos
a nós próprios? Evidentemente, por esse princípio, dado pelo Senhor Jesus,
aquele que não se ama a si mesmo, não tem condição de amar ao próximo. Ora,
amar-se a si mesmo resume-se no respeito pleno a si mesmo; é dar-se valor
moral, é não transigir quanto aos valores éticos e aos valores espirituais.
Amar-se a si próprio é não ser hipócrita nas próprias ações. O que é, então,
amar ao próximo? É transferir para outrem aquilo que temos de precioso sobre
nós mesmos.
Isso posto, não é necessário esforço para se detectar no ambiente das igrejas a enorme ocorrência de atitudes hipócritas. Claro que a desfaçatez é enfermidade inerente ao velho homem. Quando Deus interrogou a Caim, sobre o paradeiro de seu irmão Abel, a resposta dada foi plena de rudeza e desfaçatez:
“E disse o Senhor a
Caim: Onde está Abel, o teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do
meu irmão?” (Gn 4.9).
Entretanto, não costumamos dizer que somos
nova criatura? Não foi morto o velho homem?
A nossa desculpa é que nossa prática
(hipócrita) evita conflitos. É bom evitar conflitos, mas a hipocrisia não é,
certamente, o remédio.
Nossos adjetivos referentes ao próximo - o
qual não é nosso irmão por decisão pessoal nossa, mas por ele ser também parte
do corpo de Cristo – geram frases feitas, chavões, tais como “meu amado irmão”, “meu querido”, “meus amados”
etc. Lembro-me de minha mãe que dizia ter irmãos
e amados irmãos. Isso é incontestável! Dessa forma, inúmeros desses adjetivos
são marca da nossa hipocrisia.
Que o leitor não considere essas observações como julgamento apriorístico de minha parte. Todos sabemos que esse mal existe entre nós. Precisamos evitá-lo. Não se trata de substituir a hipocrisia pela grosseria; trata-se de amar ao próximo, no sentido que Jesus deixou implícito: como a nós mesmos; de modo respeitoso.
A nossa gentileza tem que ser pura; deve vir do estoque de um coração puro, tal como se pede ao Senhor em muitos cultos: “Dá-me um coração igual ao teu.” É, de fato isso que queremos?
Eu reconheço a enorme dificuldade que temos,
eu e você, de nos aperfeiçoar na vida cristã. O apóstolo João chama de
hipócrita, ou mentiroso, aquele que diz que não peca. Há, porém, cura para
todos nós:
“Se confessarmos os
nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar
de toda injustiça.” (1Jo 1.9).
Glória ao nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo. Amém!
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