Diz o romancista,
comediógrafo, crítico literário espanhol, Azorin, (pseudônimo de José Martinez
Ruiz. 1874-1969), em sua obra crítica "El
Escritor":
“Não se medita no mundo
moderno. Há muito poucos homens que se prazem na meditação; sem a meditação não
pode haver sólida obra de arte; tudo o que na arte se faça sem meditação será
coisa de primeiro plano; faltará a perspectiva espiritual, essa segunda
realidade que, por sua vez, faz meditar o leitor de um livro ou o contemplador
de um quadro”.
Com base nessa análise, vem-me
à mente a escrituração da Bíblia Sagrada.
A Bíblia Sagrada é o conjunto
dos livros canônicos, nos quais Deus se revela - aos homens - a Si mesmo e os
seus propósitos já realizados e a se realizarem. Foi escrita no decorrer de
1500 anos, por pelo menos 36 homens. Diz Orlando Boyer: “Contudo esses livros
perfazem um só livro, porque são a obra de um só Autor, sobre um alvo e
propósito divino: a redenção dos homens”. (Pequena Enciclopédia Bíblica. 8ª Ed.
1985).
Deus possibilitou aos homens a
criação e o uso de registros gráficos que representem aos olhos de outrem suas
impressões do mundo que os cerca, suas conjeturas, seus estados de alma e suas meditações.
Grosso modo, chamarei a isso Literatura.
Para produzir sua “literatura”,
isto é, os textos escritos, o homem aplica a sua capacidade de meditar,
conforme registrou Azorin. Aquilo que se escreve sem meditação além de não
produzir um possível efeito desejado, representa algo vão. A meditação é
prioridade na produção escrita séria.
É comum explicar-se que os
autores sagrados escreveram inspirados pelo Espírito Santo, o que é
indiscutível. A unidade da Bíblia comprova esse fato: a distância temporal e
geográfica entre Moisés e Paulo, por exemplo, não tornam seus escritos discrepantes,
nem contraditórios, nem isolados; porque toda a confecção da obra é guiada pelo
Espírito Santo, o qual é atemporal.
Todavia, Deus não selecionou
alguns “homens-fantoches” como autores dos textos sagrados. Todos escreveram
sob meditação e análise. Bíblia não é psicografia!
A Bíblia registra História,
biografias, profecia, poesia, doutrina que não foram proferidos inconsequente
nem irresponsavelmente por homens fanáticos, sob forte emoção. Todos eles meditaram, analisaram, compararam
para escrever. Deus usou a capacidade intelectual (maior ou menor) de cada
escritor sagrado. Diz o apóstolo Paulo: “porque eu recebi do Senhor o que
também vos ensinei...” (I Co 11.23). Se recebeu do Senhor, foi instruído para
transmitir com raciocínio e eficiência comunicativa: “o que também vos
ensinei”.
Os escritores sagrados
escreveram suas páginas conforme o que registra o profeta Isaías: “Disse-me
também o Senhor: “Toma uma ardósia grande e escreve nela de maneira
inteligível:...” (Is 8.1. Bíblia de Estudo de Genebra). Escreveram de maneira
inteligível, pensada.
Lucas deixa clara a tarefa da
pesquisa para escrever o seu evangelho apresentado a Teófilo.
A Bíblia é uma obra racional
em todos os seus aspectos. Deus é racional e deu racionalidade aos homens, para
que a usem.
Baseado ainda em Azorin, não
concebo que as Escrituras Sagradas estariam abaixo da concepção daquele
literato. Prefiro entender que elas esclarecem aquele pensamento.
Ora, se não há escritura séria
que se produza sem meditação, também ficou claro que não há fruição da
escritura sem essa prática: a meditação do escritor induz o leitor à sua
própria meditação. O que observa um quadro medita sobre a sua composição,
senão, nada verá exceto um conjunto de cores que nada lhe dizem.
Preocupa-me sobremodo que as
pessoas são instigadas à leitura da Bíblia, sem que haja instrução sobre o que
é ler a Bíblia. Fica muito simples dizer a alguém: leia, que o Espírito Santo
lhe esclarecerá. Claro que o Espírito Santo esclarecerá àquele que não teve
possibilidade de ser levado à meditação. Mas, acredito que haverá profunda
falha naqueles que, podendo esclarecer sobre a maneira correta de leitura
bíblica, simplesmente não o fazem.
Quando o Senhor Jesus proferiu
a sua ordem à igreja, intimando-a a pregar o evangelho disse: “Ide, ensinai
[...] ensinando-as...” (Mt 28.19-20). É necessário que haja ensinadores da
Palavra de Deus. Evangelizar é ensinar. Há necessidade de mestres! “Porque,
devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a
ensinar quais sejam os rudimentos das palavras de Deus;...” (Hb 5.12).
É preciso que a igreja deixe
de agir como a mãe desinteressada, que diz ao filho: “Tem comida lá na
cozinha”. É necessário que ela ensine ao filho como deve servir-se, como deve
alimentar-se etc. A igreja tem que levar o crente, por meio do ensino, à
meditação na Palavra cujo resultado é o crescimento espiritual, social, moral,
caminhando para a estatura de varão perfeito (Ef 4.13).
Pessoas há que ficam felizes
porque já leram toda a Bíblia; entretanto, muitas dessas leituras não fizeram
efeito.
Ao lado de uma leitura sequencial
da Bíblia, é preciso que se faça constante leitura meditativa, analítica,
estudiosa - à moda dos bereanos (At 17.11). Sobretudo, um trabalho em espírito
de oração, a fim de que a racionalidade de Deus se revele ao espírito humano.
“Por esta razão, nós também, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar
por vós e de pedir que sejais cheios do conhecimento da sua vontade, em toda a
sabedoria e inteligência espiritual; para que possais andar dignamente diante
do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda boa obra e crescendo no
conhecimento de Deus;...” (Cl 1.9-10).
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