A busca ao culpado é um dos grandes interesses do ser humano. Afinal, se alguma coisa não resultou o que se esperava, deve haver um culpado. Aí todos os seres racionais se lançam à procura dele. Muitas vezes essa procura se faz necessária, pois o culpado é sempre a causa do problema; daí, que a solução do erro tem de passar pela eliminação da causa.
A vida moderna traz incontáveis problemas; logo, deve haver incontáveis culpados. Mas, onde estão eles? Quem são?
Lembra-me um texto de Luís Fernando Veríssimo, em que o cronista brinca com o adjetivo (já substantivado) “populares” — prefiro assim mesmo, no plural, porque melhora a noção coletiva. No singular tem outro significado: popular pode ser um remédio!
É muito interessante isso. Não raro estampam-se manchetes em jornais: “Populares invadiram um prédio.” Quem é o culpado pela invasão? Ora, os populares!
Os populares podem fazer o que lhes der na cabeça (se é que populares têm cabeça!) já que eles não têm residência fixa (nem móvel), são isentos de qualquer documento de identidade e se chamam, simplesmente, “os populares”.
Ora, diante dessa espécie meio incógnita (!) nada mais justo do que caber a ela toda a culpa pelos desmandos sociais, entre outros. Talvez um dia, seu nome seja alterado para “os culpados”; será mais direto. Os culpados incendeiam os ônibus, invadem estações de metrô, depredam imóveis públicos etc. Pronto, a busca ao culpado, grande interesse da humanidade, pode se resumir nessa entidade social.
“Os populares” também podem ser chamados de “povo”. Não é o povo que causa tantos males à nossa vida? Quanto a eles, Veríssimo também dá uma sugestão. Finalmente, o mundo passou a permitir a existência de “populares” ou “culpados” ou, enfim, “povo”.
Por outro lado, bem de outro lado, estamos “nós”, outra espécie: perfeccionista, elegante, sóbria, mui educada, inerrante; somos vítimas daqueles “culpados”.
Houve um tempo, quando os fariseus, camada social de judeus que se julgavam superiores a quaisquer outros seres humanos, viam como vis, ignóbeis, desprezíveis os pobres gentios. Eles eram puros, provinham do patriarca Abraão; tinham recebido, através de Moisés, a Lei divina! Gente finíssima, que “guardava” com o mais absoluto cuidado a sua indivisível herança. Os fariseus não suportavam pensar, sequer, naqueles “populares” que viviam nas proximidades. Longe de nós, diziam eles.
Certa feita, Jesus, o Cristo, relatou uma história: dois indivíduos chegaram ao templo para fazer suas orações. Um era fariseu; o outro gentio. O fariseu, pondo-se em pé, orava dando graças a Deus por ser diferente dos demais homens, os quais praticavam delitos e erros. Chegou a dizer que não era como aquele gentio que estava próximo. Relatou em sua oração todas as boas obras que praticava e sua estrita observância à Lei.
Já ou outro, da classe dos “populares”, orava, pedindo misericórdia e perdão divinos por causa seus erros. Jesus esclareceu que o homem do povo saiu perdoado e abençoado em sua humildade e reconhecimento de suas misérias. Já o fariseu continuou como era, envolvido em soberba. A conclusão do Mestre é: aquele que se julga acima dos outros é que será humilhado e posto em seu devido lugar. (Lucas, 18: 9-14).
Portanto, melhor do que atribuir a outrem as precariedades da vida é examinar-se para encontrar as próprias culpas e corrigi-las com humildade. Não se atribuam a outrem as falhas que estão em nós mesmos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário