LEITURA BÍBLICA: Efésios 4.1-4; Colossenses 1.9-12.
Introdução
Ao abordar este ligeiro estudo, solicito do amável leitor a pré-leitura de dois trechos bíblicos: Efésios 4.1-4 e Colossenses 1.9-12. O primeiro trecho remete-nos à orientação do apóstolo Paulo à igreja que estava na cidade de Éfeso. No segundo fragmento, o mesmo autor, na epístola aos colossenses, chama a atenção para uma vida cristã cheia do conhecimento da vontade de Deus, “em toda a sabedoria e inteligência espiritual, a fim de se andar dignamente diante do Senhor” (vv. 9,10).
Cabe, ainda, lembrar o ambiente da igreja que estava em Corinto, apresentado na 1ª Epístola aos Coríntios 1. Ali, o apóstolo Paulo destacou alguns pontos importantes a respeito dos cristãos que frequentavam aquela igreja. Assim, é possível entrelaçar as situações de três igrejas dos tempos iniciais do cristianismo: 1ª aos Coríntios (55/56 d.C), Efésios e Colossenses (62 a.C).
I A FALTA DE UNIDADE CRISTÃ NA IGREJA EM CORINTO
O apóstolo Paulo fora informado sobre os problemas enfrentados na igreja que estava na cidade de Corinto. Ali estava uma igreja rica material e espiritualmente; entretanto, a arrogância dos corintos havia gerado gravíssimos problemas para a unidade cristã naquela igreja. Tal era a discórdia entre os membros da igreja, que a notícia chegada ao apóstolo obriga-o a pronunciar-se orientando-os e chamando-os à correção. Interessante é verificar que, apesar das falhas, Paulo identifica-os como santos. Por que eles eram santos?
a) Eles eram santificados em Cristo. O apóstolo afirma que eles são chamados santos, juntamente com todos os salvos, em todo lugar (não somente lá), porque aqueles que invocam o nome do nosso Senhor Jesus Cristo, o qual é Senhor de todos, são santificados em Cristo. (1Co 1.1-2). A qualificação de santos ou santificados, neste caso, deve ser entendida como uma notificação inclusiva de todo crente, no Corpo de Cristo, em todo lugar. A palavra “santos”, nesse texto, não deve ser entendida como expressão de uma atitude de vida pessoal dos membros daquela igreja. Tal afirmação seria contraditória para com a exortação do apóstolo naquela epístola. Os crentes de Corinto embora santos, não viviam como santos! Aí está um grande perigo: santos não manterem a sua condição de santidade!
Todo salvo precisa perceber bem claramente o fato de que é santo, porque Cristo o santifica. Entretanto, existe a prioridade de se manter também, uma vida pessoal em santidade. Ter santidade significa viver à parte de toda e qualquer influência deste mundo. Tito ensina ao crente o que é manter uma vida de santidade, quando diz: “Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens; ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos, neste presente século, sóbria, justa e piamente, aguardando a bem-aventurança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus Cristo,...” (Tt 2.11-13).
b) Os irmãos de Corinto eram salvos, porque eles haviam recebido a graça de Deus em Cristo Jesus. O estado de salvação de um crente não traz alegria apenas a ele mesmo; alegra também a quem reconhece a graça de Deus na vida dele. Paulo dava graças ao Senhor, pela salvação dos crentes em Corinto. (v.4).
c) Eles eram enriquecidos em toda a palavra e em todo o conhecimento, e o testemunho de Cristo havia sido confirmado entre eles. A igreja foi abençoada com dons (vv.5-7). Mas o caráter deles precisava ser moldado. Eles valorizavam muito o status social e o saber intelectual. Muitos deles eram hábeis nos discursos, e isso gerava disputas e desavenças no seio da igreja. Muitos daqueles crentes consideravam-se superiores aos demais, por causa dos dons espirituais de que eram dotados. Os dons espirituais são dados a serviço da igreja, mas não transformam o caráter do homem. Um bom exemplo disso está no dom de profecia. Jeremias ataca os profetas que abandonaram a verdade profética para divulgarem coisas de seus próprios corações. (Jr 23).
Esses pressupostos indicam que, mesmo salvos em Cristo Jesus, incluídos entre os santos e agraciados com todos os dons, havia graves problemas na vivência cristã, por causa das distorções de caráter entre eles. O caráter aponta para um dado importante, porque determina o modo de agir de uma pessoa. As atitudes de um homem são reflexo do caráter dele.
Comumente apontamos o dedo para o deslize alheio, dizendo: “Ele não é pastor?” “Ele não é pregador?”. Sim, o cargo que qualquer homem ocupa põe à mostra o caráter que ele tem! Assim sendo, o deslize que ele comete pode indicar a sua pobreza de caráter, independentemente da responsabilidade funcional, religiosa ou não. Esse problema chamou a atenção do apóstolo Paulo para o que acontecia na igreja de Corinto. Talvez Paulo dissesse àqueles crentes: Vocês têm tudo isso da parte de Deus; mas falta-lhes integridade de caráter. Portanto, é absolutamente claro que o nosso caráter determina a maneira como agimos na obra do Reino, mesmo que sejamos agraciados com dons. Os dons não são propriedade do homem, não o aperfeiçoam nem o glorificam; eles glorificam ao próprio doador, que é Deus.
Existem qualidades que produzem a unidade da fé entre o povo de Deus: a humildade, a mansidão e a longanimidade (Ef 4.2), elementos que compõem a necessária personalidade do crente. A personalidade, também chamada individualidade, consiste no conjunto de características psicológicas, que o ser humano desenvolve no decurso da sua caminhada em direção da maturidade. Muitos fatores podem contribuir para uma personalidade mal formada, e nela não se encontram a humildade, a mansidão nem a longanimidade apontadas pelo apóstolo Paulo. Todavia, é certo que a transformação de uma personalidade distorcida pelos efeitos do pecado social pode ser feita pelo ensino bíblico e doutrinário, através da atuação do Espírito Santo no coração e na mente do ser humano.
Nos trechos apontados para leitura, o apóstolo Paulo chama a atenção dos irmãos em Éfeso e da igreja em Colossos, para as características marcantes dos que vivem o evangelho de Cristo.
Convém que tiremos para nós, nestes dias, as melhores lições de um correto viver segundo a Palavra de Deus.
II A INSTRUÇÃO PARA A UNIDADE CRISTÃ NA IGREJA EM ÉFESO
Nos capítulos de 1 a 3 dessa epístola, o autor dá um panorama soteriológico, em que aponta o Senhor Jesus Cristo como autor da salvação e Senhor da Igreja. Paulo faz uma digressão sobre a misericórdia de Deus, que, por Cristo, nos vivificou por seu imenso amor (2.4-5).
No capítulo 4, depois de uma oração intercessória, para que, firmados em Cristo, os crentes de Éfeso possam ter uma ampla compreensão do amor de Deus (vv. 18,19), o apóstolo trata especificamente do assunto em que se baseia esta meditação: a unidade da fé no corpo de Cristo. Para explicar a importância dessa unidade, Paulo apresenta três pilares: a humildade, a mansidão e a longanimidade (4. 1-6).
III. PARA HAVER UNIDADE CRISTÃ É PRECISO HAVER HUMILDADE
Na igreja, é indispensável a unidade da fé. Em outras palavras, pode-se dizer que a unidade da fé corresponde às qualidades cristãs que tornam idêntica, indiscutível e indivisível a maneira como a igreja se comporta interna e externamente.
“Irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, suplico a todos vocês que concordem uns com os outros no que falam, para que não haja divisões entre vocês; antes, que todos estejam unidos num só pensamento e num só parecer” (1Co 1.10).
Com isso, Paulo resume a vivência cristã desejável. Entretanto, como chegaremos todos a um consenso, se há quase intransponíveis barreiras de diferenças em vários aspectos, quais sejam na criação, na formação social e intelectual de cada um de nós? Cada ser humano tem características psicológicas distintas; pois, não fomos criados pelos mesmos pais, não desenvolvemos os mesmos hábitos sociais, não frequentamos os mesmos lugares, nem as mesmas escolas, nem, muitas vezes, as mesmas comunidades cristãs. Nisso se concentram pontos de conflito. Por essa razão, é indiscutível a necessidade de que encontremos um denominador comum, um meio de adequação.
Sociólogos e psicólogos vivem à procura de soluções para esses problemas; porém, não chegaram, eles mesmos, a um consenso. Mas a Bíblia reserva a solução para que tais questões sejam resolvidas: humildade, mansidão e longanimidade. Essas características não são encontradas no homem natural, não nascido de novo, o qual, portanto, desconhece a obra divina da salvação. O homem natural tem natureza orgulhosa, é levado facilmente à discussão acalorada e não tem nenhuma paciência diante dos problemas. Humildade, mansidão e longanimidade são bênçãos que agraciam aqueles que passaram pelo novo nascimento, tornando-se “filhos de Deus”, por adoção em Cristo. O Pai tornou-nos aptos para participar da herança dos santos na luz (v. 12).
A humildade é instrumento que coopera para a unidade. Grande parte das pessoas conserva a ideia de que a palavra humildade significa falta de amor próprio, pobreza de caráter, fraqueza na personalidade, disposição para o rebaixamento social ou intelectual. Pensar assim é confundir o sentido dessa palavra com o sentido de submissão à humilhação, ao desprezo, à discriminação. No contexto cristão, o sentido é virtuoso, eleva o crente, porque o faz agir em consideração do valor de outrem. O humilde não busca o reconhecimento dos próprios direitos, ainda que os tenha! Jesus Cristo é o modelo da humildade.
“... embora sendo Deus, não considerou que ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo, e foi obediente até a morte, e morte de cruz!”.
Por que Jesus demonstrou tanta humildade tanto na obediência ao Pai, em sua missão sacrificial, como o fez para a própria humanidade? Jesus agiu assim, porque ele não veio expor o seu próprio valor e poder, mas veio para nos ensinar a humildade, que nos valoriza. Um dos seus maiores exemplos de desprendimento e humildade foi demonstrado quando ele lavou os pés aos discípulos, inclusive os pés daquele que o traía (Jo 13).
A humildade não é própria do homem natural. A lição de Jesus, também ensinada por Paulo, é que a humildade corresponde à modéstia, qualidade que se opõe à arrogância e à vaidade, ao egoísmo. A humildade favorece o bem comum, a harmonia nos relacionamentos e promove a unidade no corpo de Cristo (1Co 12.25). A humildade cristã é resultado da operação do Espírito Santo, que habita no crente e o torna digno da vocação para a qual foi chamado (Ef 4.1).
Há grande perigo na existência do falso humilde, aquele que, no meio em que vive, traveste-se de vítima, com uma capa de humildade, a fim de trazer os olhares sobre si mesmo. Isso é desvio de personalidade, é problema de caráter não curado. O tal indivíduo precisa de acompanhamento psicológico, mas, sobretudo, carece de cura espiritual.
Os humildes agem com simplicidade, embora com prudência (Mt 10.16) e, assim, cooperam para com a unidade¹ da igreja; o que significa uma condição bem superior à união na igreja.
IV. PARA HAVER UNIDADE NA IGREJA É PRECISO HAVER MANSIDÃO
A mansidão nada tem com a prática de ouvir tudo calado, cabisbaixo, sem reação alguma. A mansidão é a qualidade de quem tem uma índole apaziguadora, um caráter brando, um espírito de avaliação serena e conformadora. A pessoa dotada de mansidão é firme em suas convicções, mas usa argumentos que promovem acordos. Não há humildade sem mansidão, nem vice-versa. A mansidão é moderada, não se precipita na defesa de seus argumentos, porque tem certeza deles; o indivíduo manso pondera as situações sempre com a intenção de evitar ou eliminar conflitos. Além de Jesus, que não apenas se declarou manso (Mt 11.29), mas provou essa condição, devemos lembrar-nos de Moisés, considerado o homem mais manso da terra (Nm 12.3). Notemos que Moisés desenvolveu o seu caráter de mansidão. Antes disso, mostrou a sua valentia, quando vingou o hebreu que era espancado por um egípcio, matando esse agressor (Ex 2.11-12). Mas o restante do capítulo mostra-o agindo de modo diferente. Deus ajustou Moisés para ser o homem mais manso da terra! Aquele líder do povo de Israel desenvolveu a qualidade de não ser rancoroso e de não buscar o seu próprio interesse, ainda que fosse injustiçado (Nm 12.1-2).
Jesus, certa vez, usou um chicote e virou as mesas dos comerciantes que exploravam pessoas no templo. A mansidão não encobre erros. Todos os apóstolos, corações transformados por Cristo, deram demonstração do espírito de mansidão; mas foram severos, quando necessário. Mansidão não é apatia diante dos erros. A mansidão revela a capacidade de domínio do emocional. A postura equilibrada diante de situações conflituosas revela um espírito de tal mansidão, que é capaz de apaziguar situações problemáticas.
“Quanto àquele que provoca divisões, advirta-o uma primeira e uma segunda vez. Depois disso, rejeita-o” (Tt 3.10).
A mansidão é produzida no crente como obra do Espírito Santo. Os que têm mansidão são pacíficos, por isso são bênção na igreja, porque agem como a brisa suave no calor de um verão ardente. Gloria a Deus por tais homens entre nós!
V. PARA HAVER UNIDADE NA IGREJA É PRECISO HAVER LONGANIMIDADE
Longanimidade significa paciência para suportar ofensas. Escrevendo sua epístola aos romanos, Paulo exorta para que atentem para a longanimidade ou paciência de Deus para com os errados, mostrando que o abuso deles levará às providências divinas.
“Ou será que você despreza as riquezas da sua bondade, tolerância, e paciência, considerando que a longanimidade de Deus o leva ao arrependimento?” (Rm 2.4).
Ser longânimo significa dar tempo para o arrependimento e liberação do perdão. O favorecido pela longanimidade não pode cobrá-la, nem abusar dela.
“Contudo, por causa da sua teimosia e do seu coração obstinado, você está acumulando ira contra si mesmo, para o dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento. Deus retribuirá a cada um conforme o seu procedimento” (Rm 2.5.6).
Um dos conceitos da longanimidade envolve a disposição de suportar. O verbo suportar, neste caso, não significa, necessariamente, submeter-se a um peso levado às costas, mas dar suporte a quem fraqueja. Aqueles cujo comportamento se mantém incorrigível abrem mão da longanimidade.
A longanimidade é perdoadora.
Há, porém, muitas pessoas que fazem conceito errado sobre perdoar, que é o
ponto fundamental do amor. Perdão e amor são sinônimos. Lê-se na 1ª Epístola de
Pedro que “O amor cobre uma multidão de pecados” (1Pe 4.8). Mas, cobrir não é encobrir ou acobertar.
Encobrir é disfarçar, esconder. Evidentemente não é o que Pedro pretendeu
dizer. No caso, “cobrir” é “apagar”; assim como a raspagem elimina a sujeira de
uma parede. Muitas igrejas e pregadores interpretam errado esse trecho petrino,
e imaginam que erros e pecados devem receber uma demão de tinta em lugar de uma
raspagem. O perdão sempre está atrelado à justiça, sem a qual, todo o valor do
perdão é jogado fora. Deus é amor porque é justiça.
A longanimidade é uma virtude também produzida no coração do ser humano pelo Espírito Santo; essa virtude capacita o crente a suportar ofensas e a conceder o perdão.
Conclusão
Este assunto, aqui, foi trabalhado com seriedade, mas sem o aprofundamento merecido. Muito há que se falar sobre isso, para o amadurecimento da vida cristã individual e coletiva, pois trata de virtudes capazes de eliminar o egoísmo, a soberba, a vaidade e o rancor para com o próximo. Essas virtudes funcionam como elementos unificadores da igreja, para que todos tenham a mesma conduta, de modo a afastar as divisões e dissensões. Onde há divisões e dissensões não impera o sentimento de Cristo e a igreja carece de conserto e de concerto imediatos.
Medita-se também a respeito do perdão e do amor; pois, o perdoar não depende do faltoso, mas do ofendido. É absolutamente errado e antibíblico o pensamento comum que diz: “Eu perdoo, se ele me pedir perdão”. Jesus concedeu-nos o perdão antes que viéssemos a ele, porque ele nos amou primeiro (Rm 5.8; 1ªJo 4.19). Perdoar é a decisão de não cobrar uma ofensa. Isso é ter humildade, mansidão e longanimidade.
¹Há diferença notória entre união e unidade: a união
nos aproxima naquilo que temos em comum; mas nos mantém separados naquilo que
marcam as nossas diferenças. Temos união quando cremos no mesmo Deus e Senhor;
mas não temos unidade quando discordamos quanto à forma de batismo. A unidade dispensa a união, pois ninguém une
o que é uno. A unidade, ao contrário da união, desfaz a dualidade.
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