quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

POR QUE POSSO TUDO?


Sou evangélico, crente, tenho a certeza da salvação da minha alma. Sou filiado a uma grande igreja, muito bem frequentada por pessoas tão felizes quanto eu. Minha família é abençoada, não há problemas em minha casa; minhas atividades profissionais prosperam dia-a-dia. Tenho amigos maravilhosos. Meu crescimento é constante. Tenho tudo quanto quero, porque “O Senhor é o meu pastor e nada me faltará” (Salmo, 23.1).

Ao ler a minha declaração de felicidade, não duvido de que você sinta uma pontinha de inveja; melhor dizendo, sinta uma pontinha de vontade de ter essa mesma bênção, não é? Então, devo esclarecer por que declarei isso.

A busca de uma “boa vida” está na mente e nas ações de cada pessoa. Não existe homem que não anseie pela realização de seus interesses. A luta diária tem sempre o objetivo de alcançar as melhores coisas. Essa busca ansiosa é tão notória, que facilmente se encontram multidões nas igrejas que oferecem um caminho cravejado de bênçãos. Entretanto, o que mais existe é a decepção. Tão grande é o dissabor, que levou um pesquisador sério a escrever um livro sobre essa nuvem carregada de desesperança.

Por que é tão difícil alguém fazer a declaração que fiz acima? Porque uma declaração assim ultrapassa os limites do bom senso, ultraja a própria utopia, é uma mentira. Nenhum ser humano pode atingir neste mundo tamanho nível de felicidade. Ninguém vive “o céu na terra”. Então, deve-se desistir de tudo?

Jesus dá a resposta sobre desistir da luta nesta vida: “Tenho-vos dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo: eu venci o mundo” (João 16.33). Não há nenhuma promessa de vida tranquila, mas aviso de que existem aflições.

O que pode causar aflição ao ser humano? Doenças, dificuldades sociais (problemas na família, problemas no trabalho), dificuldades financeiras (dívidas desemprego), desentendimentos e descontroles diversos. Tudo isso causa as aflições da vida.  Que fazer diante de tais circunstâncias? Bom ânimo é a ferramenta para vencer as lutas deste mundo. O exemplo da vitória é o próprio Senhor Jesus Cristo, que declarou “eu venci o mundo”.

Mas, paradoxalmente, justifiquei a minha declaração de felicidade com base no que diz a Bíblia: tenho tudo o que quero porqueO Senhor é o meu pastor e nada me faltará.”, como registra o salmo 23.1. Que há de mal explicado nisso?

O problema é a má compreensão do texto. Nunca se dá a um texto o sentido superficial, percebido à primeira vista. Textos têm o que os estudiosos chamam de “estrutura profunda”, ou seja, têm um sentido subjacente. Leia a obra sobre leitura e compreensão de textos, do professor Platão Savioli. Os textos são produzidos sob certas condições psíquicas, temporais e espaciais. Essas condições chamam-se contexto. O que lemos só pode ser bem entendido, se forem vistas tais condições.

O fato de o salmista dizer que nada lhe faltará expressa a noção de “nada do que me é necessário e suficiente”. Não se refere às coisas que dizem respeito às minhas vontades absolutas.

Outra passagem que se torna preocupante é a expressão de Paulo, que disse: “Tudo posso naquele que me fortalece.” (Fp 4.13). Que é “tudo”? É o mesmo que “nada”!  Trata-se de pronomes indefinidos cujo significado pode ser dado como “contextualmente abrangente”. Levando em conta “aquele que me dá a força necessária” tenho condição de “suportar” até mesmo as dificuldades.

Para ser feliz, não necessito de tudo quanto quero; necessito de tudo o de que ele me supre, e, disso, nada me faltará. A felicidade absoluta sonhada pelo homem não existe: há aflições aqui ou ali, por isso ou por aquilo. Necessário é o bom ânimo.

Desista daquela declaração falsa que inicia este texto. Aceite a orientação divina para o seu caminhar nesta vida, ponha o Senhor Jesus na direção dos seus passos e, com Ele, caminhe com segurança, enfrentando as batalhas do dia-a-dia, ciente de que a vitória virá: Ele venceu o mundo, por isso é a garantia daquele que nele confia. Não corra desesperadamente atrás do que ultrapassa os limites daquilo que ele lhe dá.

Assim, é possível entender que somos fortalecidos para perceber que “nada” nos falta; que “tudo” podemos, por Aquele que nos fortalece.

Busquem a minha correção e não a prata; e o conhecimento mais do que o ouro fino escolhido; porque melhor é a sabedoria do que as pedras preciosas; e tudo o que se deseja nada pode se comparar com ela” (Livro dos Provérbios de Salomão, 8.10-11).

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