Sou evangélico, crente, tenho a
certeza da salvação da minha alma. Sou filiado a uma grande igreja, muito bem
frequentada por pessoas tão felizes quanto eu. Minha família é abençoada, não
há problemas em minha casa; minhas atividades profissionais prosperam
dia-a-dia. Tenho amigos maravilhosos. Meu crescimento é constante. Tenho tudo
quanto quero, porque “O Senhor é o meu pastor e nada me faltará” (Salmo, 23.1).
Ao ler a minha declaração de
felicidade, não duvido de que você sinta uma pontinha de inveja; melhor
dizendo, sinta uma pontinha de vontade de ter essa mesma bênção, não é? Então,
devo esclarecer por que declarei isso.
A busca de uma “boa vida” está na
mente e nas ações de cada pessoa. Não existe homem que não anseie pela
realização de seus interesses. A luta diária tem sempre o objetivo de alcançar
as melhores coisas. Essa busca ansiosa é tão notória, que facilmente se
encontram multidões nas igrejas que oferecem um caminho cravejado de bênçãos.
Entretanto, o que mais existe é a decepção. Tão grande é o dissabor, que levou um
pesquisador sério a escrever um livro sobre essa nuvem carregada de
desesperança.
Por que é tão difícil alguém
fazer a declaração que fiz acima? Porque uma declaração assim ultrapassa os
limites do bom senso, ultraja a própria utopia, é uma mentira. Nenhum ser
humano pode atingir neste mundo tamanho nível de felicidade. Ninguém vive “o
céu na terra”. Então, deve-se desistir de tudo?
Jesus dá a resposta sobre
desistir da luta nesta vida: “Tenho-vos
dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom
ânimo: eu venci o mundo” (João 16.33). Não há nenhuma promessa de vida tranquila,
mas aviso de que existem aflições.
O que pode causar aflição ao ser
humano? Doenças, dificuldades sociais (problemas na família, problemas no
trabalho), dificuldades financeiras (dívidas desemprego), desentendimentos e
descontroles diversos. Tudo isso causa as aflições da vida. Que fazer diante de tais circunstâncias? Bom
ânimo é a ferramenta para vencer as lutas deste mundo. O exemplo da vitória é o
próprio Senhor Jesus Cristo, que declarou “eu venci o mundo”.
Mas, paradoxalmente, justifiquei
a minha declaração de felicidade com base no que diz a Bíblia: tenho tudo o que
quero porque ”O Senhor é o meu pastor e nada me faltará.”, como registra o salmo
23.1. Que há de mal explicado nisso?
O problema é a má compreensão do
texto. Nunca se dá a um texto o sentido superficial, percebido à primeira
vista. Textos têm o que os estudiosos chamam de “estrutura profunda”, ou seja,
têm um sentido subjacente. Leia a obra sobre leitura e compreensão de textos,
do professor Platão Savioli. Os textos são produzidos sob certas condições psíquicas,
temporais e espaciais. Essas condições chamam-se contexto. O que lemos só pode
ser bem entendido, se forem vistas tais condições.
O fato de o salmista dizer que
nada lhe faltará expressa a noção de “nada do que me é necessário e suficiente”.
Não se refere às coisas que dizem respeito às minhas vontades absolutas.
Outra passagem que se torna
preocupante é a expressão de Paulo, que disse: “Tudo posso naquele que me
fortalece.” (Fp 4.13). Que é “tudo”? É o mesmo que “nada”! Trata-se de pronomes indefinidos cujo
significado pode ser dado como “contextualmente abrangente”. Levando em conta “aquele
que me dá a força necessária” tenho condição de “suportar” até mesmo as
dificuldades.
Para ser feliz, não necessito de
tudo quanto quero; necessito de tudo o de que ele me supre, e, disso, nada me
faltará. A felicidade absoluta sonhada pelo homem não existe: há aflições aqui
ou ali, por isso ou por aquilo. Necessário é o bom ânimo.
Desista daquela declaração falsa
que inicia este texto. Aceite a orientação divina para o seu caminhar nesta
vida, ponha o Senhor Jesus na direção dos seus passos e, com Ele, caminhe com
segurança, enfrentando as batalhas do dia-a-dia, ciente de que a vitória virá:
Ele venceu o mundo, por isso é a garantia daquele que nele confia. Não corra
desesperadamente atrás do que ultrapassa os limites daquilo que ele lhe dá.
Assim, é possível entender que
somos fortalecidos para perceber que “nada” nos falta; que “tudo” podemos, por
Aquele que nos fortalece.
“Busquem a minha correção e não a prata; e o conhecimento mais do que o
ouro fino escolhido; porque melhor é a sabedoria do que as pedras preciosas; e
tudo o que se deseja nada pode se comparar com ela” (Livro dos Provérbios
de Salomão, 8.10-11).
Nenhum comentário:
Postar um comentário